O poder político e até a ciência estão com medo de dizer a verdade quando essa verdade vai contra o medo ‘médico’ da população. Têm medo de dizer “sim, a vacina da AstraZeneca é segura, tão segura como a pílula”. Têm medo de dizer “sim, os velhotes podem sair dos lares e voltar ao normal porque já estão vacinados”. É como se as pessoas tivessem um direito sagrado ao medo, é como se o medo instalado não pudesse ser incomodado com a verdade científica.
O caos injustificado e irracional em torno da vacina da AstraZeneca mostra de novo um padrão dos últimos doze meses: os políticos e até os media estão a seguir o medo e não a ciência; boa parte das narrativas e até das medidas concretas têm tido como objetivo apaziguar os medos da população e não controlar o vírus. Andamos muitas vezes de placebo em placebo e não de solução em solução.
Tal como eu e tantas outras pessoas já defenderam com base nos dados científicos, a vacina da AstraZeneca é segura, é tão segura como qualquer outro medicamento que tomamos. Ao serem incapazes de dizer isto com clareza e sem adendas, os políticos e os regulares científicos estão a comprometer a verdade no altar do medo ‘democrático’ das redes sociais. Estão a dizer às pessoas aquilo que elas querem ouvir dentro da lógica sedutora das teorias da conspiração. Estão a comprometer a ciência, sacrificando-a no altar do boato e do medo.
Mas este padrão, repito, não é de agora. Tem sido assim desde o início. Aparece um cientista a dizer o óbvio histórico: este vírus mata pouco em termos históricos, até porque mata sobretudo pessoas já muito doentes e idosas. Ou seja, é uma epidemia historicamente fraca. O cientista é apedrejado na praça pública; nunca mais o vemos.
Aparece um médico especialista que diz que a máscara na rua é mais um placebo do que um real instrumento de combate à população. Cai o Carmo e a Trindade, porque a população precisa do placebo que é a máscara na rua; precisa da ilusão de controlo que a máscara na rua dá.
Não há relação entre descontrolo da epidemia e as escolas abertas. Todos os estudos de todos os países vão nesse sentido. Aliás, veja-se de novo o que se passou em Portugal: as escolas abriram há três ou quatro semanas e, durante este período, os casos baixaram em todos os indicadores. Contudo, nos momentos de pânico, as populações – contra todos os indicadores – exigiram o encerramento das escolas. O que fizeram os governos? Cederam à irracionalidade ‘democrática’ do povo assustado e não à ciência: fecharam as escolas.
Há uma relação entre andar ao ar livre e o combate a qualquer vírus respiratório, mas o dogmatismo do #ficaremcasa tem levado a polícia a expulsar pessoas de espaços abertos, jardins, paredões, praias.
E, agora, sabem qual é o maior indicador do triunfo do medo sobre a razão, os factos e a ciência? Os velhotes dos lares já estão vacinados, já estão protegidos, mas a cultura do medo continua a fechá-los nos lares. Apesar da campanha de vacinação, os lares continuam a ser prisões, continua a ser difícil tirar um velhote do lar, continua a ser muito difícil visitar. Mas que raio de lógica é esta? Mas então as vacinas servem para quê? Das duas, uma: ou as vacinas não são eficazes e toda esta campanha de vacinação é uma fraude, ou a cultura do #ficaremcasa e do encerramento dos lares está a desrespeitar a ciência e os factos, pois continua a manter os idosos na clausura do último ano.
Claro que a verdade é segunda hipótese. É assim com as culturas do medo: nunca acabam, inventam sempre uma nova meta, um novo padrão por cumprir.
Na verdade, estamos a chegar a um momento demasiado grave. O poder político e até a ciência estão com medo de dizer a verdade quando essa verdade vai contra o medo ‘médico’ da população. Têm medo de dizer “sim, a vacina da AstraZeneca é segura, tão segura como a pílula”. Têm medo de dizer “sim, os velhotes podem sair dos lares e voltar ao normal porque já estão vacinados”. É como se as pessoas tivessem um direito sagrado ao medo, é como se o medo instalado não pudesse ser incomodado com a verdade científica.
Henrique Raposo (Rádio Renascença, 9 de abril de 2021)