Realizada pesquisa nos programas de governo do candidatos às Prefeituras, nas eleições de 2020, a palavra “idoso” foi citada pouquíssimas vezes. Neste contexto precisamos discutir a importância de trazer o assunto à tona.
Do ponto de vista epidemiológico, temos alguns pontos chaves. A partir dos dados do Censo de 2010, o IBGE estimou um incremento médio de mais de 1 milhão de pessoas idosas a cada ano, nos 10 anos seguintes.
O avanço dos números ultrapassou a previsão do IBGE, uma vez que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2017 aponta que 14,6% da população brasileira têm 60 anos ou mais de idade, correspondendo a 30,3 milhões de pessoas. Mas a projeção para 2050 é de 29,3% da população com mais de 60 anos de idade, ou seja 66,5 milhões de pessoas.
Promover o envelhecimento ativo, saudável, cidadão e sustentável da população brasileira, por meio da oferta de ambientes e serviços mais amigáveis às pessoas idosas, é necessário para o enfrentamento dos desafios do envelhecimento populacional.
Em 2018 foi instituída a Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa, por meio do Decreto nº 9.328, de 3 de abril. E quase nada foi feito ou discutido a respeito.
Ainda assim o Plenário do Senado Federal aprovou o projeto de lei PL 402/2019, que cria o Programa Cidade Amiga do Idoso, com o objetivo de incentivar municípios a adotarem medidas para o envelhecimento saudável e para aumentar a qualidade de vida da pessoa idosa. Mas sabemos que outras iniciativas nessa mesma direção estão em andamento no país.
Também sabemos que seis cidades brasileiras já receberam da Organização Mundial da Saúde (OMS) a certificação internacional de Cidade e Comunidades Amigáveis à Pessoa Idosa. São elas: Porto Alegre, Esteio e Veranópolis, no Rio Grande do Sul; Pato Branco, no Paraná; Balneário Camboriú, Santa Catarina; Jaguariúna, São Paulo – municípios em que as autoridades políticas locais firmaram um compromisso para desenvolver um plano de ação voltado à adaptação da cidade para as necessidades das pessoas idosas, tendo como ponto de referência o Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nas campanhas eleitorais para prefeituras que hoje disputam segundo turno, dentre os assuntos em pauta na politica a questão do idoso é pouco debatida.
Mas é primordial a adaptação dos espaços urbanos para acolhermos esta população , viabilizando autonomia e independência desta população. Cuidar de questões relacionadas à velhice, com criação de frentes de trabalho, melhorias na assistência social, e questões relacionadas a mobilidade urbana e espaços públicos.
Na saúde, ter a clareza do conceito de promoção de envelhecimento ativo e saudável, além da estruturação de serviços apropriados para esta população que por ventura apresentem problemas de saúde agravados, comprometendo sua autonomia e demêencia, com demanda de assistência domiciliar ou institucional.
Com a chegada da Covid-19 no Brasil, acentuou-se os preconceitos e os estereótipos em relação aos idosos, ao mesmo tempo em que foi intensificado um cenário de desproteção social a essa população. As tensões impostas pela pandemia, como o medo de contaminação e a falta de recursos, fizeram emergir alguns debates, entre os quais os idosos têm sido considerados uma das principais preocupações. Considerados como grupo de risco para a doença, o preconceito contra eles apareceu ou, de acordo com alguns especialistas, foi acentuado.
Assisti um debate promovido pela Ágora Abrasco, onde pesquisadores como Anita Neri, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), e Alexandre Kalache, médico epidemiologista brasileiro que durante anos foi responsável pela questão do idoso na OMS ( https://www.youtube.com/watch?v=Bdr7FVJybvo) , destacaram que o contexto atual é de pico do chamado etarismo, definido por ela como forma de intolerância que se reflete em comportamentos e atitudes com relação aos idosos.
“A vida inteira observamos o acesso desigual dos mais velhos à participação social, oportunidades e direitos, simplesmente com base na idade cronológica e no conceito de que os velhos são todos iguais: frágeis, desamparados, dependentes e improdutivos”, ressaltou. Segundo ela, com a pandemia de Covid-19, estamos vivendo também um surto de etarismo que contribui para agravar essa divisão secular entre velhos e jovens, entre “nós e eles”. “Também se acentua a culpabilização dos idosos por estarem onerando o sistema de saúde e desviando recursos que melhor caberiam ao atendimento dos mais jovens que produzem riqueza, ao invés dos velhos, que são inativos. Isso não é novo, mas está aflorando com toda a força nesse momento”, afirmou.
Um alerta para que os estigmas em relação à velhice possam ter consequências duradouras sobre as atitudes relacionadas aos idosos nas próximas gerações.
O termo “ageism” (ou etarismo) foi criado por Robert Neil Butler, gerontólogo, em 1969, para se referir à intolerância relacionada à idade. O site das Nações Unidas Brasil destaca algumas recomendações para essa faixa etária, entre elas: que nenhuma pessoa, jovem ou velha, é dispensável, e que os idosos têm os mesmos direitos à vida e à saúde que todos os outros; que embora o distanciamento físico seja crucial, não se pode esquecer que o mundo é uma comunidade e que todos estão ligados; que todas as respostas sociais, econômicas e humanitárias devem levar em consideração as necessidades dos idosos, desde a cobertura universal de saúde à proteção social, trabalho decente e pensões.
O secretário nacional da OMS também disse que o mundo não deve “tratar as pessoas mais velhas como invisíveis ou impotentes” (Nações Unidas Brasil, 01/05). (https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/olhares-sobre-a-velhice-na-pandemia)
Fica claro para mim que neste contexto podemos extrapolar um pouco e dizer que na política este etarismo se manifesta na medida em que a palavra idoso quase não é citada nos programas de governo e nós enquanto cidadãos devemos estar atentos isso, pois temos que garantir a velhice de hoje e de amanhã, e cobrar de nossos políticos um olhar para isso.
O Velho importa sim, e temos de cobrar de nossos políticos esta posição.
Zelia Vieira de Moraes
(médica geriatra do Instituto Vimos, formada pela Unicamp, mestre em gerontologia, mãe de Alice e apaixonada pelas questões do envelhecimento)
FONTE: LONGEVINEWS