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Como NÃO utilizar as redes sociais para combater o idadismo

A expectativa era chamar atenção para a trivialidade do idadismo. O resultado, mais de 50 pessoas, na sua maior parte mulheres com perfil progressista, aprovando uma posta que diz que os homens não devem dar opinião sobre envelhecer pois, ao contrário das mulheres, não têm prazo de validade.

Gustavo Sugahara (*)

Arede social Twitter tem sido uma ferramenta importante para me manter conectado com outros investigadores, projetos, instituições, e outras pessoas interessadas no tema do envelhecimento. Praticamente só escrevo sobre trabalho, mas a potência deste canal de informação é mesmo aliciante, e tendo a passar muito tempo lendo notícias e opiniões diversas.

No dia 14 de Julho repeti o terrível hábito de agarrar o telefone logo ao acordar. Deparei-me com uma posta da escritora Clara Averbuck, que ao celebrar a chegada do aniversário de 18 anos da filha afirmou: “Não vou passar por isso sozinha, se sintam velhos também”.

Para olhar do gerontólogo atento, não havia dúvidas, puro idadismo. Quase poderia reformular a frase para “não vou passar por essa coisa horrível sozinha”, mas achei que seria mais importante chamar a atenção para o aspeto relacional da velhice.

 

Raramente recebo respostas. Discutir o idadismo num contexto onde outros preconceitos e formas de discriminação são tão mais dominantes, parece mesmo ser coisa de gente chata (melhor mesmo é ignorar). Mas desta vez a autora não quis deixar barato: “Lá vem o homem chato dar a sua opinião sobre envelhecer quando ele, homem, não tem prazo de validade. Fala homem. Mas ninguém quer saber.”

Diante do tom ríspido da resposta, ainda fiz uma tentativa de colocar panos quentes na conversa. Pedi desculpas pela intromissão e concordei com a importância das diferenças de gênero para pensarmos o envelhecimento. Não poderia, no entanto, concordar com a ideia de que as mulheres têm um prazo de validade. Adicionei uma nova resposta deixando este ponto claro, e partilhando a referência de um excelente artigo escrito pela jornalista Bronwen Clue.

Até a publicação deste artigo, a resposta inicial da Clara tinha mais de 50 likes. Uma consulta superficial ao perfil das pessoas que aprovaram a mensagem revelou um número significativo de mulheres com um perfil “progressista”.

A minha afirmação: “mulheres não têm prazo de validade” segue com apenas um único like, da própria Clara Averbuck. Foi o único sinal de que estamos de acordo. Mas para que não restassem dúvidas fez ainda questão de deixar mais uma resposta: “Pra sociedade (a mulher) tem (prazo de validade) simNão é sobre o que você acha. É sobre o que acontece”.

A minha interpretação desta última mensagem é simples, ela apenas reproduz um preconceito que existe na sociedade.

Como em quase todos os meios de comunicação, o idadismo no twitter é o pão nosso de cada dia. A ferramenta para denúncia da plataforma já é ruim para formas de discriminação mais visíveis na sociedade, imaginem quão inefetiva é perante as denúncias de idadismo.

A grande maioria da população global está a conquistar o privilégio de viver mais. O combate ao idadismo é condição sine qua non para a construção de uma sociedade mais justa, para que não apenas possamos viver mais, mas para que possamos ter o direito de vidas melhores durante todo o percurso da vida. Mas a boa intenção não basta.

O resultado desta minha interação foi catastrófico. Principalmente porque tenho a sensação de que não só a Clara Averbuck, mas também a grande maioria das pessoas que apoiaram a resposta dela, não acham mesmo que as mulheres têm um prazo de validade. Não a conhecia antes do post dela aparecer na minha lista, e não domino as técnicas da busca por engajamento. Provavelmente a psicologia reversa teria funcionado melhor neste caso (“atenção velha, daqui a pouco o teu prazo vai expirar”), sairíamos todos “vencedores”.

(*) Gustavo Sugahara – Economista e Gerontólogo – Leitor na Universidade Metropolitana de Oslo e Investigador Integrado do DINAMIA´CET. E-mail: Gustavo.Sugahara@oslomet.no. Twitter: @g_sugahara

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FONTE: POTTAL DO ENVELHECIMENTO

Imagem destaque de Jérôme Choain 

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