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Liga ibero-americana vai enfrentar o idadismo

Cooperação entre países é essencial para combater discriminação baseada na idade

 

Mauricio Einstoss de Castro Barbosa

Gerontólogo, coordenador do projeto de enfrentamento ao idadismo do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR)

Kathya Beja Romero

Estagiária de Gerontologia, atua no projeto de enfrentamento ao idadismo do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR)

Joana, 57, é tratada como criança pelo filho que a julga incapaz de lidar com as notícias falsas que recebe no celular. José, 67, ainda luta para se alfabetizar. Rita, 59, professora, foi rejeitada por contratantes que optaram por docentes mais jovens, embora menos qualificados.

Lírio, 64, sonha em aprender a dançar balé, mas a família faz de tudo para que ele continue apenas no bingo, no bolo e no baile. Rosa, 75, motorista experiente, tem a carteira limpa, mas não consegue alugar um carro. Lucia, 78, tenta há sete meses, em vão, marcar uma tomografia. Será pela idade também?

Estes são exemplos de idadismo, a discriminação baseada na idade. Embora possa afetar também pessoas jovens, é muito mais comum e grave em relação aos mais idosos.

É o preconceito mais democrático que existe, uma vez que independe de sexo, gênero, raça, condição econômica, nacionalidade, identidade de gênero e orientação sexual, condição física, mental e intelectual. Estamos todos sujeitos a ele. Basta não “viajarmos fora do combinado”, como disse o ator, cantor e compositor Rolando Boldrin ao se referir a amigos que morreram prematuramente.

Em relação à sua evolução, o idadismo não difere do racismo, do sexismo ou de outros “ismos”. É a ideologia da supremacia, um grupo que se acha superior a outro: “Eu valho mais do que você por ser branco, você, negro; por ser homem, você mulher; por ser hetero, você gay”.

Por trás de cada “ismo”, a falsa crença da superioridade. Daí decorrem os estereótipos que alimentam atitudes negativas e corrosivas. Os preconceitos, de forma insidiosa e implacável, acabam por vir à tona por meio de práticas discriminatórias. Esse ciclo se retroalimenta cruelmente afetando milhões de Joanas, Josés, Ritas, Lírios, Rosas e Lúcias mundo afora, apenas por terem “ousado” envelhecer.

idadismo é o último grande tabu. Dele, sempre pouco se falou embora Cícero, há mais de 2.000 anos, já o denunciasse. À medida que o mundo envelhece, transforma-se em um desafio global, que exige reação de iguais dimensões. Seu enfrentamento deve ir tão longe quanto as fronteiras socioculturais.

Nos países mais desenvolvidos e, portanto, envelhecidos, o tema vem sendo tratado a sério. Entre nós, muito menos. Daí a criação de uma liga ibero-americana para enfrentamento do idadismo, com ampla gama de países com similaridades culturais.

Ela pretende desenvolver ferramentas culturalmente apropriadas para unir povos oriundos de rica miscigenação étnica e histórias de sujeição a regimes totalitários, que moldaram seu brio.

O primeiro passo é o que estamos dando aqui: nomear nosso adversário comum e nos conscientizar dele. O próximo é aprender a detectá-lo em nós mesmos, em outras pessoas e nas instituições. Só então poderemos desconstruí-lo.

Para isso, não basta denunciar as piadinhas e memes idadistas irresponsavelmente disseminados, até pela grande mídia. Há que transformar tal tsunami em uma onda do bem, desde a mais tenra idade, com empatia, responsabilidade, valorização da essência da pessoa idosa e zelo pela dignidade humana.

A democracia do idadismo nos coloca todos no mesmo barco e no mesmo jardim. Não é hora de remarmos na mesma direção e de trocarmos tesouras por regadores?

FOTO DE CAPA: Ricardo Cammarota/Folhapress

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

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