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Velhos e velhas: pauta que o ESG esqueceu

Com as reformas trabalhista e da Previdência desconectadas, as pessoas têm que se aposentar mais cedo e são descartadas antes do trabalho formal, agenda que o setor privado não abraça

Foi em uma entrevista no Washington Post de Carl Bernstein em 1968 -quatro anos antes de o jornalista formar a famosa dupla com Bob Woodward e derrubar Richard Nixon com as reportagens do caso Watergate- que o termo “ageism” foi cunhado. Bernstein entrevistava o médico Robert Butler, referência em direitos da velhice, sobre a oposição que surgira e médico Robert Butler, referência em direitos da velhice, sobre a oposição que surgira em Washington a uma proposta de moradias para idosos. Butler comparou a ignorância e o preconceito associados ao envelhecimento com o racismo e o machismo, e assim inventou a expressão que revela a discriminação com idade.

A história sexy do etarismo (tradução ampla de “ageism”) termina aqui. Cinco décadas depois o movimento ESG não incorpora os mais velhos em suas promessas de abraçar a diversidade. Ali cabe gente de todas as raças, gêneros, orientações, credos e cores, desde que jovens.

Na inclusão cabe todo mundo, desde que seja jovem

Há poucos dias, a alta-comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, fez um alerta sobre o cenário do envelhecimento no mundo: “Hoje, mais do que nunca, idosos precisam de proteção mais forte para desfrutar plenamente seus direitos. Mas a realidade é que os marcos legais internacionais, que deveriam proteger a todos sem discriminação, ainda tornam os idosos invisíveis”, disse.

Em 2050 haverá duas vezes mais pessoas com mais de 65 anos do que hoje. Os mais velhos serão mais numerosos do que os jovens de 15 a 24 anos.

“Mais velhos” é expressão elástica quando se trata de emprego. “As empresas já estabeleceram como idade de corte os 45 anos”, diz Jorge Félix, professor de gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, estudioso do tema e que contou a história acima, de Bernstein e Butler. Para além dos 45 anos, na lógica comum ao setor privado, há “dinossaures” que custam caro e não acompanham a tecnologia seja no chão de fábrica seja no escritório. “Os processos de produção mudaram e a experiência pode incomodar se o que se quer é produtividade, mesmo às custas de baixar a qualidade do produto”, diz Félix.

Os mais velhos não estão na agenda ESG. O mundo corporativo pensa em creches para reter a mão de obra feminina e em cursos para jovens. Muito bom e acertado, mas e os outros? “Como não há interesse na mão de obra idosa não há programas de qualificação nem nada”, diz Félix, que prefere a tradução “idosismo” ao termo de Butler. “Algumas empresas colocam que têm idosos em seu plano ESG porque criaram cinco vagas para gente com mais de 50. É perfumaria. Não responde ao envelhecimento da população.”

A socióloga francesa Anne-Marie Guillemard comparou o que ocorre na França, Suécia, Japão e Reino Unido. Concluiu que sem regulamentação trabalhista para a faixa acima dos 45 anos as empresas descartam a força de trabalho e há uma fragilização da segunda metade da carreira. “A pessoa é demitida e entra em uma relação trabalhista não mais formal”, diz Félix.

No Brasil, o gap só piorou na pandemia. Dados do Caged de 2020 e 2021 mostram que os com mais de 50 anos perderam mais de 500 mil postos. “É preciso criar legislação trabalhista com incentivos fiscais e qualificação, mas fomos no caminho oposto”, diz Félix. “O setor privado defendeu a desregulamentação trabalhista e o debate ficou descolado da reforma da Previdência. O resultado é que as pessoas têm que se aposentar mais tarde e cada vez mais cedo são cortadas do emprego formal”. É urgente equacionar o envelhecimento da população atribuindo responsabilidades ao Estado, indivíduos e empresas.

Há desconforto até na forma de nomear quem envelhece. A expressão melhor idade está sendo cancelada, vitória do bom senso e do bom gosto. Velho é palavra que incomoda. O termo idoso cheira a remédio. Pessoa idosa atende aos requisitos de gênero. Pessoa madura tem sido a saída, na falta de coisa melhor.

Daniela Chiaretti

FONTE: Valor Económico 

 

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