ARTIGO EM DESTAQUE: “É imperativo acabar com o idadismo”
AUTORA: Ana João Sepúlveda
PROJETO: EXPRESSO LONGEVIDADE
O julgamento das pessoas mais velhas está enraizado, até em quem defende a causa. É urgente combater o idadismo e promover a coesão intergeracional, defende a especialista em Economia da Longevidade, Ana João Sepúlveda
Para quem anda nestas lides da longevidade e do envelhecimento, o idadismo não é nada de novo, porque uma das grandes lutas continua a ser a normalização do envelhecimento e o fim do conflito entre gerações.
Lembro-me quando em 2009 comecei a olhar com mais detalhe para o que se passava nos Estados Unidos, porque achava que as batalhas seriam outras, já que eles estavam muitos anos à nossa frente. Qual não foi a minha surpresa quando percebi que o preconceito em relação aos velhos era tão forte como aqui em Portugal.
Do que me contou Bradley Shurman, isto vem da época clássica porque os gregos e romanos já expressavam esta forma negativa de ver o envelhecimento e os mais velhos. Mais tarde, a artista plástica Ana Fonseca contou-me que no Livro Egípcio dos Mortos também existe este preconceito em relação aos mais velhos.
Ao recuperar memórias da antropologia biológica, observo que o idadismo é mais animal que cultural. Veja-se o que se passa com alguns macacos por exemplo. Na verdade, são sociedades muito pouco amigas da diversidade.
Esta forma de julgar e avaliar os mais velhos está tão profundamente encrustada no nosso ADN que encaramos como normal expressões do tipo: “os mais velhos não são bonitos”, “os velhos e as crianças são tão parecidos”, “os velhos não aprendem!”.
Esta forma de pensar idadista está presente até em quem defende a causa. Vivi recentemente uma experiência de um senhor que trabalha na área das universidades seniores a dizer que os velhos não consomem, são tão pobres que não compram nada. Por que é idadista? Porque reduz “os velhos” a um grupo homogéneo, pobre e à margem da economia, que só tem um lado negativo e que nada tem a aportar à sociedade. Do meu ponto de vista, cada vez que compro uma bica no café do bairro estou a consumir e a contribuir para a economia, eu e o velho meu vizinho.
Quando acreditamos que a eutanásia é uma boa forma de colocar fim à dor dos velhos que estão a morrer numa cama de uma unidade de cuidados continuados e que isso é um desperdício de recursos, estamos a ser idadistas. Quando ponderamos a possibilidade de partir mais cedo, porque não se quer ser um peso para a sociedade, para filhos e netos, estamos a ser idadistas. Quando achamos piada aos comentários dos filhos que apontam a nossa idade com escárnio, somos idadistas e estamos a fomentar o idadismo dos mais novos.
Este é um tema que trabalho cada vez mais, na minha empresa, o do combate ao idadismo. Somos mais e mais chamados para trabalhar a coesão intergeracional nas organizações. É um trabalho que dá prazer fazer pelo impacto que tem, na performance da organização, na coesão das equipas e nas próprias pessoas e naqueles que se relacionam com elas.
Uma das coisas que tenho aprendido é a importância de trabalhar determinadas competências emocionais, quando se quer promover uma forma de estar não idadista. Trabalhar a empatia, compaixão, auto-perdão, auto-percepção e a capacidade de olhar e ver o outro são aspetos que precisam existir neste tipo de situações.
A maior parte de nós não está acostumado a olhar para si, a perceber o que está a sentir e o que está a dizer, temos uma baixa auto-consciência. Isso é meio caminho andado para que haja conflito, para julgar o outro e emitir um parecer que muitas vezes é ofensivo e está desajustado à realidade.
Por isso, trabalhar o idadismo e a longevidade nas organizações é uma coisa que eu gosto particularmente de fazer. Percebo que a pandemia deixou um legado amargo, vejo algumas pessoas, muitas infelizmente, mais intransigentes, mais radicais e agressivas com os outros, descarregando no outro o que sente, o que não me parece ser lá muito positivo.
Numa sociedade onde temos 4 gerações no mercado de trabalho, é efetivamente imperativo combater o idadismo, sob pena de termos uma sociedade pouco coesa, sustentada, produtiva, equitativa e promotora da longevidade.
Ana João Sepúlveda é presidente executiva da empresa 40+Lab
A autora escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico
FONTE: EXPRESSO