Há 20 anos o Brasil aprovou o Estatuto da Pessoa Idosa. Uma decisão tomada escassos meses depois da tomada de posse do primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva, com o objetivo de reconhecer e garantir direitos adicionais às pessoas com mais idade, nomeadamente o direito de não serem preteridas ou excluídas em processos de decisão que lhes dizem respeito ou de acesso a bens e serviços. A turbulência política brasileira terá deixado boa parte das intenções pelo caminho.
Duas décadas depois, Lula voltou à Presidência e retomou a prioridade da proteção da pessoa idosa. Há um mês, com vários países da América Central e do Sul , o Brasil assinou a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa. E seguindo o que foi considerado uma boa prática na Argentina, foi agora apresentado um guia prático, adaptado à realidade brasileira: “Recomendações para uma comunicação responsável sobre a pessoa idosa”.
Na apresentação, a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa explica a importância da comunicação: uma poderosa ferramenta de promoção de direitos humanos e cidadania ou, por outro lado, uma forma de reforçar estereótipos, desinformar, aprofundar as desigualdades sociais e propagar diversas formas de discriminação, como o racismo, sexismo, a xenofobia ou o idadismo.
Ora, o Guia pretende realçar todo o potencial da comunicação de forma positiva, como ferramenta de promoção e proteção dos direitos humanos e de cidadania da pessoa idosa. Dez recomendações. E se muitas nos podem parecer óbvias, que atire a primeira pedra quem nunca foi idadista em relação a outros ou em relação a si próprio.
Em Portugal não existe nada semelhante e tanto seria necessário, já que é um dos países mais envelhecidos do mundo. Precisamos de aprender e saber lidar com o envelhecimento, de perceber que viver mais anos deve ser visto como muito positivo. Mas para isso é preciso que as pessoas tenham condições para o fazer usufruindo de todos os seus direitos aos 80,90, 100 ou mais anos, tal como aos 30,40 ou 50.
O Guia aprovado agora no Brasil é perfeito? Certamente que não, há sempre melhorias a fazer. Mas é um passo que também em Portugal podia ser tomado como exemplo. E também poderíamos avançar para um Estatuto da Pessoa Idosa. Mas que seja efetivamente eficaz e não apenas mais um papel cheio de boas intenções. Porque muitos daqueles que já chegaram mais longe sentem que continuam a ter muito para dar à sociedade, que toda a sua experiência e conhecimento são muito úteis para a construção de um futuro e dos protagonistas que também vão querer viver cada vez mais e melhor. E os que já não o conseguem fazer têm todo o direito a ser tratados com o respeito que toda a vida humana merece.
Dez recomendações para uma comunicação responsável com a pessoa idosa
1 – As pessoas idosas devem ser consideradas e reconhecidas nos processos comunicativos como sujeitos de direitos e não como objetos de cuidados de intervenção. Isso implica reconhecê-las como pessoas produtivas, ativas, desejosas, com capacidades materiais e simbólicas, tal como em todas as outras fases da vida.
2 – Há palavras, expressões, imagens, comportamentos que contribuem para a estigmatização da velhice e das pessoas idosas e outras que promovem mudanças no sentido positivo. Por exemplo, defini-las como “avós” ou “aposentados” é reduzir a sua condição a um papel social. O Guia recomenda que se evite a palavra “avó”, a não ser que se queira destacar o vínculo familiar, por exemplo, a relação avós-netos. Sexagenários, octagenários, terceira idade, melhor idade também devem ser termos a evitar. E considera que o melhor é “pessoa idosa” porque possui um carácter não discriminatório, ao contrário de “idoso”, em que se reduz o indivíduo a uma característica temporal.
Quanto às imagens, há que evitar as que reforçam estereótipos, preconceitos, exposição ao ridículo ou que possam gerar vulnerabilidade.
3 – É fundamental fortalecer a ideia do envelhecimento de forma positiva, destacando-o como um processo repleto de potencialidades produtivas sustentáveis e saudáveis, além de também realçar a velhice como um momento de vida enriquecedor, ativo, realizador e compensador, com perdas e ganhos, tal como acontece em todas as fases da vida.
4 – Usar linguagem inclusiva, escrita e visual. Deve ser simples, clara, objetiva e inclusiva para transmitir uma ideia de forma transparente e direta.
5- É importante dar voz aos protagonistas, incorporar depoimentos, valores, hábitos, vivências, tradições, expressões e crenças de pessoas idosas nas produções comunicacionais. E promovê-los como produtores de informação e interlocutores ativos na sua comunidade.
6 – É preciso arranjar novos ângulos de abordagem. Nas notícias, as pessoas idosas são frequentemente protagonistas pelas piores razões: foram maltratadas e abandonadas pelas famílias, agredidas e negligenciadas nos lares ou estabelecimento de saúde , vítimas de assalto, têm reformas baixas que não lhe permitem satisfazer necessidade essenciais. Ora, o Guia deixa claro que é preciso mudar e dar visibilidade a ações que contribuam para erradicar preconceitos e promover novas questões relacionadas com a educação comunitária, a tecnologia, o envelhecimento ativo, a sexualidade, o diálogo inter-geracional, a participação social e cívica, ou a acessibilidade, entre outros.
7 – Ao fazer comunicação sobre a velhice, o envelhecimento e a pessoa idosa, é preciso contextualizar. Contextualizar favorece a compreensão e divulgação das questões sociais que envolvem as pessoas idosas sob uma perspetiva ampla, sensível e respeitosa. Por outro lado, há que evitar simplificações que tendem a fortalecer uma representação negativa do envelhecimento.
8 – Promover uma cultura do “bom trato” nas comunicações. Ou seja, um conjunto de valores e ações que, postas em prática, geram um sentimento de respeito e reconhecimento mútuo, favorecendo o desenvolvimento pessoal e comunitário. Por outro lado, é importante dar visibilidade, repudiar e denunciar todos os tipos de abusos e maus-tratos contra as pessoas idosas: físicos, psicológicos, negligência, abandono e idadismo.
9 – Dar visibilidade, divulgar e promover os direitos da pessoa idosa, nomeadamente os direitos à aprendizagem ao longo da vida, a serem escutadas e não infantilizadas, à sua autonomia e independência para envelhecer nos seus espaços afetivos, acesso aos serviços públicos de assistência, saúde, educação, transportes, habitação assim como o de gerirem as suas questões patrimoniais e financeiras. São ações que geram empoderamento na pessoa idosa e ajudam na desconstrução de preconceitos.
10- O aumento da expetativa de vida pode ser, naturalmente, acompanhado pela perda de funcionalidades físicas, mentais e cognitivas. Ao comunicar, devemos identificar as possíveis barreiras de comunicação físicas, comportamentais, sociais e culturais que promovam qualquer tipo de exclusão. A acessibilidade implica a utilização dos recursos necessários e pertinentes (tamanho da tipografia, sinalização adequada, linguagem gestual, etc), de forma a incluir todas as pessoas.
ANA CARRILHO – Jornalista
FOTO DE CAPA: Geralt