Permitam-me usar o termo e movimento que mais ouvimos nas últimas semanas – e que acredito que mais vamos ouvir nesta – para, sem demagogias e numa perspectiva perfeitamente pedagógica, abordar um alerta sobre uma palavra, ainda desconhecida de tantos, mas que cresce em todo o mundo: o idadismo. Segundo o Relatório Mundial sobre o idadismo, conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), “o idadismo refere-se a estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionados às pessoas, com base na sua idade”.
Desengane-se quem pensa que este conceito é só sobre idosos, pois não o é: o idadismo também pode existir junto dos mais jovens, quando dizemos que eles “são novos de mais” quando querem empreender em algo, minando a sua confiança e criando barreiras ao seu empoderamento. Mas isto é “trocado por miúdos” do idadismo e este artigo versa sobre o idadismo “trocado por graúdos”, ou seja, abordemos o idadismo nos mais velhos, quanto mais não seja pela sua (cada vez maior) relevância, até porque segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1990 o rácio em Portugal era de 66 idosos por cada 100 jovens e estamos nos 182 por cada 100.
Portugal está a envelhecer a um ritmo mais acelerado do que os 27 Estados-membros da União Europeia, segundo a Eurostat. Em 2022, metade da população portuguesa tinha mais do que 46,8 anos de idade, a segunda idade mediana mais elevada no conjunto dos países analisados. Itália surge como o país que apresenta uma idade mediana mais elevada (48 anos), mas Portugal destaca-se pelo ritmo aceleirado de envelhecimento. Os censos em Portugal (2021) mostraram que os residentes com +65 anos de idade representam 23,4%. Por fim, segundo o INE (2020) o índice de envelhecimento em Portugal só tenderá a estabilizar na proximidade de 2050.
A todos estes (preocupantes) fatos – que nos permitem dizer que não é, de todo, exagerado afirmar que este é um dos desafios centrais do século XXI – junta-se em contraciclo outro obstáculo para um país e mundo mais inclusivo em matéria de longevidade: o idadismo é a terceira causa de discriminação no mundo, a seguir ao racismo e ao sexismo. Uma em cada duas pessoas no mundo é idadista, nomeadamente em desfavor dos amis idosos, e as consequências são graves: regressão da saúde física e mental, menor expectativa de vida recuperação mais lenta de incapacidade e até declínio cognitivo.
A tudo isto junto um outro pequeno – grande pormenor: para a Organização Mundial e Saúde é considerado idoso aqueles quem tem 60 ou mais anos de idade, um rótulo que acrescenta barreias e pouco ilustra aquilo que sabemos – que com o aumento da esperança média de vida chegamos ais 60 anos com mais saúde física e mental. E parece que em torno da palavra idoso persistem estigmas que esquecem quão uma pessoa acima dos 60 pode ser um poderoso poço de experiências e competências. Por isso, em vez de falar de uma população envelhecida, deveríamos falar de longevidade, de propósito, de inclusão social e comunitária, de valorizar as pessoas em todo o ciclo da sua vida, assim como da oportunidade que significa fomentar as relações e partilha de conhecimento entre diferentes gerações. Todos nós podemos influenciar a forma como envelhecemos na forma como vivemos a nossa longevidade. De acordo com alguns estudos, o que mantém as pessoas saudáveis e com qualidade de vida não se prende tanto com uma dieta em baixo teor de gordura, sem glúten ou com a prática de exercício físico, mas sim com componentes associadas ao lado relacional e à dimensão humana. Aliás, após o estudo alargado de dez variáveis, apresentado por Pinker, em 2017, foi demonstrado que o fator mais importante para favorecer uma vida duradoura e saudável é a integração social: relações pessoais estreitas e interações cara a cara.
É importante que a sociedade desenvolva politicas e programas que atendam às necessidades de todos os cidadãos e promovam a longevidade e uma visão positiva e inclusiva das pessoas na sociedade, independentemente da sua idade. Devem ser criados e divulgados projetos que visam reduzir o idadismo e contribuam para o reforço de uma sociedade que valorize todo o ciclo de vida de cada individuo. A promoção da atividade física e mental dos mais velhos e doe estabelecimento de novas relações, dando-lhes um propósito, é uma forma de melhorar a sua qualidade de vida. Simultaneamente, deve-se reconhecer o seu valor e a sua potencial contribuição para a sociedade. No Relatório Mundial sobre o Idadismo da OMS, no qual se inclui um estudo e recomendações para criar um mundo para todas as idades, uma das sugestões é desafiar-nos todos, setor privado, público e sociedade civil, a participar neste movimento e combater o idadismo.
(Artigo originalmente publicado no Público, 4/8/2023)
ELENA DURÁN (CEO DA 55+)