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ARTIGO EM DESTAQUE: “Fixe esta tendência: idadismo”

Patrícia Barnabé assina, na Máxima, o artigo

“Fixe esta tendência: idadismo”

Agora que as causas estão todas em debate público, falta observar a discriminação pela idade, um vetor da sustentabilidade social para o futuro.

Mas podemos começar a mudar como consumidores, como pessoas que tomamos posições. Basta-nos largar o carro alguns dias e fazer menos viagens de avião, reduzir o consumo de carne vermelha e privilegiar os produtos locais ou de origem controlada, só para referir os mais óbvios. Não há milagres na alienação, e é se queremos ver crescer, amanhã, as árvores que plantámos hoje. 

Uma  das áreas onde podemos fazer muito é na DEI – diversidade, equidade e inclusão. Além de abraçar e fortalecer os laços humanos nas novas sociedades diversas, é continuar a lutar pela igualdade de direitos fundamentais, que está na base de quase todas as constituições, mas é uma realidade muito frágil. Aqui nasce o movimento do idadismo, aquele que diz que ninguém pode ser discriminado pela sua idade: seja por ser jovem e não ser levado a sério, seja por chegar aos 45 anos e o talento parecer descartável. A esperança de vida aumenta, a idade legal da reforma acaba de subir dois meses – será de 66 anos e 9 meses, em 2026, a mais alta de sempre no nosso país – mas damo-nos ao luxo de desvalorizar tudo o que o tempo dá: experiência e conhecimento, mundo e perspetiva. É um contrassenso e um claro desperdício.

Quem trabalha junto das empresas, por exemplo, sabe que as equipas onde estão representadas várias gerações – e estão neste momento quatro gerações diferentes no mercado de trabalho, são as mais fortes e resilientes e vencedoras, porque têm uma visão vasta e todos aprendem com todos. Quem ganha? A qualidade. O idadismo é hoje um grande tema no Reino Unido onde estudos demonstram que quando se chega aos 50 duplica a probabilidade de se perder o trabalho e torna-se três vezes mais difícil encontrar um novo. Quando tentei enviar um currículo, por muito que dominasse os temas, fui preterida por um rapaz de 30 anos. Aconteceu-me quatro vezes. 

Se existe a ideia de que os mais velhos são menos afiados e ágeis, novos estudos publicados na Developmental Review provam que o estereótipo, como quase sempre, é errado. Mais, que as diferenças são cada vez menores nas sociedade evoluídas: as diferenças cognitivas entre os idosos e os jovens estão a diminuir ao longo do tempo. Este facto é extremamente importante, uma vez que os estereótipos sobre a inteligência das pessoas com mais de sessenta anos podem estar a prejudicá-las – no local de trabalho e não só. E como é que o envelhecimento cognitivo é medido? Comparando jovens adultos, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, com adultos mais velhos, com 65 anos ou mais. Há uma série de tarefas em que os adultos mais velhos não têm um bom desempenho em comparação com os adultos jovens, como a memória, a capacidade espacial e a velocidade de processamento, que constituem frequentemente a base dos testes de QI. No entanto, há tarefas em que se saem melhor do que os jovens, como a compreensão da leitura e o vocabulário.

Lá está, o conhecimento. Há cada vez mais indícios de que o aumento do QI está a estabilizar, de tal forma que, nas duas últimas décadas, as diferenças cognitivas entre jovens e adultos mais velhos estão a diminuir ao longo do tempo. E isso deve-se, em parte, ao crescente acesso à educação, desde os anos 60, e ao tipo de educação que se teve. Pois que ninguém duvida do talento do papa, dos políticos mais velhos, do professor catedrático ou do cirurgião-chefe. Mas entre a organização tribal e a comunidade da aldeia, fomos deixando para trás o respeito pelos mais velhos até abandoná-los em lares ou nos corredores dos hospitais. Só em Portugal, existem cerca de 700 doentes a quem foi dada alta, mas não têm para onde ir. Não é normal, e é um grave sinal de declínio civilizacional. 

Eu tive a experiência de embarcar no aeroporto de Lisboa, de muletas, e senti na pele o que sentem os mais frágeis, os esquecidos, os que se sentem um fardo. Sentados numa cadeira de rodas vemos o mundo com outro detalhe, vemos a sua distração. É uma sequência de encolher de ombros. Os meus colegas tiveram de “roubar” para mim uma cadeira de rodas, porque ninguém ligou quando pedimos ajuda. Ninguém sabe o que é precisar até precisar. Infelizmente, nunca fomos mais velhos. 

Não é estranho perceber o que sentem os refugiados que chegam de mãos vazias, as mulheres sem voz, que foram esnobadas ou assediadas, e os pobres e os mais velhos em quase todas as áreas da vida. Vivemos na obsessão da pressa e da produtividade e as pessoas tornaram-se números. E poucos são os que se oferecem para cuidar, é o salve-se quem puder. Quando entraste no mercado de trabalho, aos 20, foste carne para canhão até quase aos 30. Chegas ao fim dos 40, o mercado de trabalho trata-te como se já andasses de cadeira de rodas. Este é o mundo perverso e pouco inteligente que o idadismo combate. 

O que é curioso, e irónico, neste patriarcado eterno é que os grandes consumidores são precisamente as mulheres e os mais velhos. O The Business of Fashion refere-o no seu relatório para 2025: beneficiarão do facto de cortejarem estes clientes frequentemente negligenciados. Nem todas as marcas são igualmente hábeis a fazer estas mudanças. Muitas vezes, são as marcas mais recentes e “desafiantes”, livres de concepções históricas sobre produtos, lojas e clientes, que estão a sair vitoriosas. E enquanto o mundo não abre a pestana, abrimos nós. “Não terás aprendido nada até aprenderes o transtorno ou a benção de seres dispensável”, Ricardo Marques escreveu em Didascálias. É nessa sabedoria que devemos trabalhar.

FOTO DE CAPA:  Divulgação/Mubi

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