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O IDADISMO CRAVOU AS GARRAS EM MANUEL CARVALHO, JORNALISTA DO PÚBLICO?

O IDADISMO CRAVOU AS GARRAS EM MANUEL CARVALHO, JORNALISTA DO PÚBLICO?

PARTILHAMOS O ARTIGO DE OPINIÃO ASSINADO PELO JORNALISTA, DO JORNAL PÚBLICO, MANUEL CARVALHO,

Este PS é para velhos

Um Conselho Estratégico situado algures entre os hóspedes de um lar e a respectiva família (o PS) não augura estratégia nenhuma.

A fotografia de família do Conselho Estratégico do PS é um compêndio da política portuguesa digno do Canal História. Um retrato acabado do estado catatónico do partido de Mário Soares. O que ali se reflecte é uma saudade, não o desejo do novo. O que ali se determina é o apego às certezas do passado, não a urgência em correr riscos com o futuro.

O que ali se estabelece é a visão estática do mundo que conhecemos, não a obrigação de enfrentar o desconforto dos desafios do futuro.

Na sua grande maioria, os conselheiros foram escolhidos pelo volume dos seus

currículos. É preciso pegar numa lupa para se encontrar alguém com idade para se preocupar com o que está para vir ou alguém sintonizado com o admirável mundo novo e incerto da inteligência artificial. Para usar um velho slogan do maoismo, o PS que se expõe no Conselho Estratégico não se atreve a “ousar lutar” nem a “ousar vencer”.

Não está minimamente em causa o mérito individual de cada uma das cabeças pensantes dos escolhidos para o Conselho. Temos ali, sem dúvida alguma, muitos dos responsáveis pelo que de melhor conseguiu fazer n o s 5 0 anos d a democracia. Temos saber, experiência, dedicação à vida pública, probidade, exemplo, transparência, competência ou, numa palavra cada vez mais crítica, idoneidade. Temos ali pessoas com carreiras profissionais ilustríssimas, como temos rostos de personagens maiores da história do PS ou do país do último meio século. O problema, para que fique claro, não se encontra nos que ali estão. Pelo contrário, esta nos que não couberam no crivo das escolhas. Estando em causa um critério, uma decisão, importa saber a sua origem. E a sua consequência.

O PS que saiu com uma derrota histórica, e por isso traumática, das últimas eleições, precisa de se repensar ou, numa versão mais extrema, de se refundar. A ultrapassagem do Chega justifica dramatismo e recomenda coragem. O que está em causa não é apenas um eventual erro conjuntural do anterior anterior líder, Pedro Nuno Santos. A análise da ciência política à composição do eleitorado socialista mostra há muito que o partido se tinha transformado num refúgio de incumbentes, numa organização da terceira idade cada vez mais afastada dos sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa. A gestão política da anterior legislatura deixava no ar a discussão entre um partido feroz. e de combate permanente e um partido cooperante e, alegadamente, empenhado na solução dos problemas nacionais. Mas o problema do PS é estratégico, não apenas táctico. José Luís Carneiro percebeu essa necessidade urgente e concluiu, em primeiro lugar, que a dura tarefa da reconstrução jamais poderia ser feita num clima de tribalismo. A escolha do secretariado nacional é prova dessa sua preocupação em reunir os cacos do partido para a partir daí construir uma peça nova e diferente. Mas como essa tarefa requeria uma cola especial, um desígnio estratégico actual, Carneiro procurou-a através de um recurso que remonta aos velhos Estados Gerais d o PS; um abraço entre o partido e a dita sociedade civil.

Para esse abraço ser visível e, ainda mais, vistoso, tinha de ter estrelas reconhecidas pelos cidadãos. E tinha de vincular o partido a uma história e a um legado à democracia, até para sublinhar a sua distinção genética face aos “arrivistas” da extrema-direita. O erro de Jose Luis Carneiro está na dose com que aplicou estes princípios compreensíveis. Está na incapacidade em encontrar alternativas. Um painel situado algures entre os hóspedes d e um lar e a respectiva familia ( o PS ) não augura estratégia nenhuma.

Pergunta-se o que terá o presidente do Conselho, o multifacetado Augusto Santos Silva, a dizer sobre o futuro da inteligência artificial. Pergunta-se o que terá um homem moldado num mundo do trabalho em vias de extinção como José Vieira da Silva a dizer sobre os desafios da automação no futuro próximo. Pergunta-se o que poderá dizer Maria de Belém Roseira sobre a sustentabilidade da Segurança Social no futuro próximo.

Pergunta-se o que tem o grosso daquela galeria de gente respeitável e simpática a dizer sobre um futuro que seguramente já não lhes pertence. Não se duvida que eles, ou muitos deles, tenham respostas reflectidas e pertinentes. Mas que capacidade terão eles de convocar para as suas teses pessoas das novas gerações, que olham para eles como as esfinges de um PS que perdeu aderência ao terreno da era digital?

Se a ideia do conselho era boa, o PS desperdiçou-a com este seu vício de se pavonear como o partido das “referências”, o ícone da memória democrática, o dono do poder durante a maior parte do pós-25 de Abril. Do seu pedestal, o PS não só não consegue sair do discurso dos incumbentes, dos funcionários públicos, dos que têm empregos formais garantidos ou dos pensionistas, como não se consegue livrar da nomenklatura que o construiu década após década. A exposição prolongada ao poder Sem juventude, sem rasgo, sem risco, sem ousadia, o PS dificilmente poderá recuperar a sua aura nestes tempos em que a política privilegia o novo, ainda que muitas vezes um novo contaminado pelo ranço da história limitou-lhe o instinto de sobrevivência. A derrota nas legislativas instituiu-lhe o “medo de existir” — é esse medo que impede a liderança de reconhecer o óbvio e declarar António José Seguro como candidato do PS a Belém. O PS precisa de um líder sensato, com pose de pessoa a quem se compra um carro em segunda mão, como precisa de um Presidente com golpe de asa. José Luís Carneiro cumpriu até agora a primeira condição, mas, com a criação do Conselho Estratégico, falhou clamorosamente a segunda. O país jovem e vibrante que se move nas empresas, que se manifesta na cultura, que se revela nas universidades não está ali. O país do futuro, o país que o PS precisa desesperadamente de cativar, permanece à margem. Entre o conforto dos seus dogmas, que em muitos casos têm como objecto uma sociedade que já não existe, e o esforço de se sintonizar com o Portugal que surgiu depois da troika, o PS ou escolhe a segunda opção, ou arrisca-se a ser transformado num novo anacronismo da esquerda. Para essa transformação, é indispensável a memória, a experiência e o saber do tempo, matérias-primas que o Conselho tem em abundância. Mas ao transformar-se quase em exclusivo no parque geriátrico comandado por um intelectual de primeira água que se transformou no “faz-tudo” da política portuguesa, o Conselho ancora-se demais no passado que trouxe o PS para este beco de difícil saída. Sem juventude, sem rasgo, sem

risco, sem ousadia, o PS dificilmente poderá recuperar a sua aura nestes tempos e m que a política privilegia o novo, ainda que muitas vezes um novo contaminado pelo ranço da história. E a democracia portuguesa precisa do balanço da esquerda democrática e europeísta do PS para manter os seus equilíbrios. Manuel Carvalho, In Público (31/07/2025)

 

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