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“Ó cota, que estás aqui a fazer?”

Idadismo. Vem do inglês “ageism” e é o nome que se dá à discriminação de quem é considerado “demasiado velho para”. A partir de que idade somos “demasiado velhos?” O que é “saber envelhecer”? O que sucede a quem resiste à norma? E porque é que, como Madonna denuncia, é tudo muito pior para as mulheres?

Quem frequenta o Lux-Frágil, a discoteca lisboeta junto a Santa Apolónia, já se habituou a vê-lo. O João dança, dança, dança, rodopia, salta, braços em desenhos ritmados abrindo, à volta, um círculo de admiração. Normal, as pessoas vão às discotecas para dançar – as que não vão para ficar ali a olhar quem dança. Mas nele toda a gente repara, os que olham e os que dançam, e não é só por dançar tanto e tão bem, por tantas mulheres virem ter com ele para duetos mais ou menos prolongados, ou por ao longo da noite ir mudando de roupa, de cada vez que o suor empapa a T-shirt, às vezes ali mesmo no meio da pista.

“Não há nenhuma noite em que não me perguntem dez vezes que idade tenho, de onde me vem a energia. Os mais ordinários dizem: “Ó cota, o que é que estás aqui a fazer?” Às vezes incomodam e dizem frases absurdas. E ao segundo incómodo chateio-me mesmo. No Lux sinto-me um bocado protegido, porque sou muito antigo lá. Mas não é muito frequente ter de recorrer à segurança.”

O João tem 67 anos e Botelho de apelido. É um dos grandes realizadores de cinema do país (Conversa Acabada, Um Adeus Português, Tempos Difíceis, Os Maias), mas estas pessoas que o estranham não sabem disso, só que é um homem de cabelo branco e que podia ser, talvez, seu avô. “A ideia que eles têm, claro, é de que não pertenço ali. E como a envolvente muitas vezes são mulheres mais jovens e bonitas há quem fique incomodado. Tem a ver com não me comportar corretamente, de acordo com os códigos sociais. O comportamento dito correto das pessoas da minha idade: andar-se muito sisudo, triste, à espera de morrer… Ora eu acho que as pessoas não se devem comportar de acordo com o que se espera delas, devem fazer o que quiserem com um único limite: não incomodar os outros.”

Invoca Nietzsche e o seu “só acredito num deus que saiba dançar”: “É uma coisa de vitalidade. O Eros é mais forte do que o Tanatos. Não recomendo isto a ninguém, não é exemplo. Mas acho que as pessoas devem viver até ao fim, estamos na terra para fazer coisas. E quando deixam de fazer começa a ser um pesadelo.”

“Não te esqueças de que és avó”

No Lux, ou noutros lugares de dança, não é comum ver pessoas da idade de João, mas ainda assim vão aparecendo uma aqui, outra ali. Homens. E mulheres? O cineasta reflete: “No outro dia vi duas senhoras, mas é raro.” Uma mulher de quase 70 anos a dançar noite fora no Lux, como seria? A escritora e crítica literária Helena Vasconcelos, de 67 anos, não pode saber; há mais de uma década que ela, frequentadora de primeira hora do Frágil do Bairro Alto, deixou de fazer noitadas de dança. Mas sabe que às vezes as netas, de 14 e 16 anos, lhe dizem: “Não te esqueças de que és avó. Já és uma senhora de idade e estás aqui a dançar no meio da sala.” Ri. “Elas se calhar têm a expectativa de que me comporte como uma velhinha. Mas outras vezes dizem-me: “Quero ser como tu.” É complicado para elas perceber que sou uma pessoa que já foi fotografada nua, confrontarem-se com as fotos do Julião [Sarmento, artista plástico com quem Helena viveu e de quem foi modelo em inúmeras obras]. E até uma grande amiga já me disse: “Não estás a aceitar o envelhecimento, vestes minissaias.” Muita gente, se calhar a maioria, conforma-se com o que é esperado. Mas essa imposição, essa pressão social, é sem dúvida muito mais violenta para as mulheres.”

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