“Ideias idadistas (discriminatórias de pessoas idosas), que persistem em ver as pessoas mais velhas como “incompetentes” e “doentes”, funcionam como profecias autoconfirmatórias. A luta contra este tipo de atitudes é indispensável para a garantia do êxito das medidas políticas de promoção do envelhecimento ativo.”
Sibila Marques Socióloga especialista em Psicologia Social e autora do ensaio “Discriminação da Terceira Idade” (Fundação Francisco Manuel dos Santos)
Não restam dúvidas de que a situação demográfica atual coloca sérios desafios à Europa e a Portugal. Nos próximos 25 anos, o número de pessoas idosas deverá duplicar o número de jovens, e a evolução do índice de dependência mostra que em 2060 deverão existir duas pessoas em idade ativa por idoso.
Estas estimativas põem em causa alguns dos alicerces das sociedades acuais, como a garantia da produtividade e do crescimento económico, a proteção social e a sustentabilidade das finanças públicas. Neste momento, a maioria dos países europeus (e não só) concorda que é imperativo apostar em políticas que promovam o envelhecimento ativo. Ao contrário do que se tem verificado nos últimos anos, em que as apostas foram realizadas sobretudo na instituição das reformas antecipadas e na criação de serviços sociais que, muitas vezes, pioravam os níveis de dependência das pessoas idosas, estas políticas têm por objetivo promover uma longevidade mais saudável e produtiva, em que as pessoas assumem papéis de maior relevo social até mais tarde. O objetivo é que este envelhecimento ativo surja não como uma imposição, mas como uma opção; quer dizer, as pessoas trabalharão ou desempenharão papéis ativos até mais tarde porque assim o desejam.
A meu ver, esta mudança, que é tão importante e que se afigura absolutamente necessária no cenário atual, só será possível se houver uma alteração significativa do modo como as sociedades encaram o envelhecimento e as pessoas idosas. Ideias idadistas [discriminatórias de pessoas idosas], que persistem em ver as pessoas mais velhas como “incompetentes” e “doentes”, funcionam como profecias autoconfirmatórias: pensamos que as pessoas idosas são assim, agimos de acordo com essas expectativas e… elas (e todos nós eventualmente um dia) acabam por se tornar assim. A luta contra este tipo de atitudes é indispensável para a garantia do êxito das medidas políticas de promoção do envelhecimento ativo. […] Todavia, além destas medidas de carácter mais aplicado a cada área, existem opções que devem ser tomadas como ponto de partida em quaisquer políticas que se definam.
A alteração de atitudes idadistas passa, antes de mais, por uma mudança ideológica de grande espectro. […] A Constituição Portuguesa protege contra a discriminação face à idade em qualquer situação. Contudo, como vimos nos exemplos apresentados ao longo deste ensaio, existem ainda muitas provas de que estes comportamentos não apenas ocorrem, como até são bastantes frequentes em contextos como a saúde, os serviços sociais ou mesmo a comunicação social. Assim, além da possível criação de leis que protejam os cidadãos mais velhos nestes contextos mais específicos, é imperativo garantir que aquelas leis sejam cumpridas. É absolutamente necessário tornar explícito na sociedade portuguesa que o idadismo é inconstitucional e representa uma afronta a direitos humanos fundamentais, tal como outro tipo de ameaças mais estudadas como o racismo e o sexismo.
A disseminação eficaz desta ideologia anti-idadista deverá ser acompanhada por um trabalho junto dos cidadãos com vista a uma mudança do conteúdo das representações associadas à velhice e ao modo como se encaram as relações entre as diferentes categorias etárias. É necessário desmistificar a ideia de que todas as pessoas idosas são doentes e incompetentes. Esta mudança ideológica passa, antes de mais, por uma investigação mais aprofundada das manifestações que o idadismo tem na nossa sociedade. Por exemplo, vimos que, embora possamos ter uma ideia de que os conteúdos dos jornais são ainda bastante idadistas no modo como abordam a questão do envelhecimento e as pessoas idosas, não existem estudos aprofundados que comprovem este facto.
[…] Por exemplo, uma área que não referimos e que nos parece essencial são as acessibilidades e os equipamentos. Basta andarmos na rua para percebermos como as pessoas idosas são discriminadas pelo tipo de passeios, de prédios e de edifícios públicos que existem. De um modo geral, não parece haver muita preocupação com a adaptação das infra-estruturas às pessoas com dificuldades de mobilidade (aliás, isto não afeta apenas as pessoas idosas). Neste momento, estão a desenvolver-se algumas iniciativas que visam combater esta situação (por exemplo, o projeto “Cidades Amigas”, promovido pela Organização Mundial da Saúde, e adotado em algumas cidades portuguesas, visa promover a adaptação das estruturas e serviços, para que estes sejam acessíveis e promovam a inclusão de idosos com diferentes necessidades e graus de capacidade, como mais-valias para a sociedade).
No entanto, a garantia de mobilidade numa sociedade envelhecida exige, sem dúvida, um maior esforço de adaptação. Infelizmente, o idadismo não tem sofrido grande contestação social. Não existem, na sociedade portuguesa, movimentos organizados com projeção que defendam os direitos das pessoas mais velhas como existem, por exemplo, no caso do racismo. Para mais, também não existem organizações de pessoas idosas nos diversos partidos, ao contrário do que sucede no caso dos jovens (Juventude Socialista, Juventude Social Democrata, etc.). Esta falta de organização das pessoas idosas não lhes providencia grandes oportunidades de intervenção social.
[…] Todos nós devemos fazer um esforço para não sermos idadistas. O idadismo pode ser tão abrasivo como o disparo de uma arma sobre um inocente desarmado. Espero que estas sugestões sejam úteis na promoção de uma sociedade mais inclusiva, na qual os grupos de diferentes idades convivam de uma forma mais igualitária e menos preconceituosa. Não há dúvida de que o caminho a percorrer ainda é longo. No entanto, deve ser iniciado o mais rapidamente possível.
FONTE: FRONTEIRAS XXI[1]