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O que a depressão na velhice tem a ver com idadismo?

Embora exista um preconceito segundo o qual as pessoas idosas sejam naturalmente deprimidas por causa da idade, a depressão não é um fato normal do envelhecimento. O processo de envelhecimento implica normalmente em adaptações da vida cotidiana por haver alterações de força, velocidade, vigor, mas que não estão associadas a humor triste, vazio ou falta de sentido na vida.
Faz-se necessário desmistificar e separar a depressão atrelada ao aspecto do envelhecimento. Ela pode estar para qualquer época e fase da vida do ser humano se este não encontrar recursos internos e externos para lidar com as adversidades da vida, e será diferente e relacionada à história e ao contexto de vida de cada um. Homens e mulheres, idosos ou não, são únicos em seus relatos sobre a depressão e com minha base de Abordagem na Psicologia Humanista, acredito que todo ser humano possui recursos internos para se desenvolver enquanto existir porém creio também ser necessária condições facilitadoras para que isso ocorra.
Não estou apontando a depressão como aspecto apenas social, mas tento também fazer o movimento de ampliar e desmistificar que ela é fator do envelhecimento natural. Te convido, então, a olhar para o singular, para a pessoa que adoece dentro de sua própria história e apresenta sinais e sintomas, mas também olhar para o todo, entendendo que o coletivo e a forma de lidar com o envelhecimento vem sendo adoecedora.
Fatores situacionais da nossa sociedade parecem estar contribuindo para o agravamento da condição emocional das pessoas idosas. As mudanças nos papéis sociais, a aposentadoria, a falta de orientação, falta de incentivo e falta de serviços disponíveis para as pessoas,  a privação de espaço na própria casa, a perda da independência e autonomia, o preconceito da sociedade em relação às competências e habilidade da pessoa que envelhece, a dificuldade para se manter ativo no mercado de trabalho, as dificuldades financeiras em razão de aposentadoria às vezes ser menor que o conjunto de de fatores necessários na velhice tais como, por exemplo, a necessidade de um plano de saúde e o aumento do consumo de medicações, o isolamento, as perdas naturais e mais frequentes da ordem da vida se tornam um conjunto de aspectos comumente relatados pelas pessoas idosas que favorecem o aumento de sintomas depressivos.
Como é possível se manter com propósito e sentido numa sociedade que valoriza o jovem e descarta o velho?
O envelhecimento da população é uma conquista e um desafio à medida que necessita pensar em estratégias que atendam a pessoa idosa. As formas ainda adotadas pela sociedade dificultam na manutenção do bem estar da pessoa e é disso que eu quero falar.
Hoje são os idosos que assumem o ranking dos mais afetados pela depressão, atingindo 13% da população segundo o IBGE. Pasmem, destes idosos a depressão está para as pessoas entre 60 e 64 anos, o que significa que não estou abordando os mais longevos e com condições físicas mais limitadas. Estou falando de uma parcela da população que está na fase inicial da velhice, e por que?
Ao invés de enxergarmos como aspecto inerente ao envelhecimento, precisamos repensar a ordem dos fatores e compreender que temos parte responsável nisso.
É hora de transformar!
Em minha prática profissional ouço com frequência relatos de pessoas idosas que não sabem mais o que são ou onde caber para se sentirem vivos, mas a graça da profissão também me permite vislumbrar um outro caminho de profissionais e pessoas militantes tentando desenvolver e devolver o espaço de autonomia e independência para estas pessoas.
Estou falando de pessoas que se sentem producentes, que estão lúcidas e são capazes de serem co-participantes e co-responsáveis em seus processos de decisão de vida e envelhecimento, porém com a sensação de inúteis para a sociedade!
 Uma geração que aprendeu a ser cuidadora, a servir e muitas vezes ser ausente de si, ainda não aprendeu e não foi incentivada ao autocuidado, agora não sabe como fazer para as horas do relógio passarem. São pessoas com desejo de ser
mas ainda não sabem como ser diferente do veio sendo até aqui. E é neste aspecto que as orientações, facilitações e serviços podem auxiliar a ressignificar o envelhecimento.
Neste sentido também é fundamental ressaltar sobre as tentativas de serviços que muitas vezes vem o idoso como alvo apenas no lucro e não com foco na promoção de um serviço com qualidade e consideração na pessoa idosa alvo.
Além disso, algumas tentativas de abordagens de orientação infantilizando o idoso, ou seja, tirando dele a fase que lhe cabe, ser pessoa idosa e não ser criança!
Percebo que a pandemia realçou um tanto de situações e não poderia ser diferente no que diz respeito à velhice. O idoso é alvo de vigia e controle de suas saídas porém precisa lidar com os filhos que muitas vezes ainda estão dentro de casa e saem seja lá para onde e o que for, precisa lidar com a exorbitante notícia de que ele é risco e pode morrer, precisa lidar com a notícia de que ele não tem motivos para sair, precisa lidar com a negligência e a ausência dos familiares justificada agora com “o cuidado”, precisa lidar com o isolamento, precisa lidar, precisa lidar, precisa lidar…
Precisa lidar com a falta de compreensão de uma sociedade capitalista que entrou no ciclo de muitas vezes não enxergar sequer o idadismo no rol das pautas de diversidade.
A pessoa idosa também é produtiva, também possui suas competências, habilidades, desejos e também merece a consideração e o incentivo para buscar novos jeitos de ser, que não seja apenas  ser o que o outro impõe e deseja sobre si. Também pode ser empoderada para ser o que quiser sem precisar caber apenas em estereótipos cristalizados em ser avó/ô, ser frágil, ser porto-seguro, ser chacota,  ser dependente, ser desconsiderado.
Envelhecer pode ser mais uma uma fase de descobertas, contemplações da vida mas requer a colaboração e o comprometimento da sociedade. Desta forma, faz-se importante desenvolver ações focadas em devolver a autonomia e a independência da pessoa que envelhece lúcida e orientada.
Todos nós iremos envelhecer se não houver imprevistos no decorrer do caminho. Sendo assim, o que você pretende fazer quando tentarem descartar e tirar sua autonomia, mesmo que ainda se sinta capaz de produzir e tomar as próprias decisões? É hora de mudar, é hora de olhar!
Roberta Aguiar Caliar 
Psicóloga Clínica
Atua como psicóloga desenvolvendo e facilitando pessoas e grupos a encontrarem propósito e resolverem conflitos através da empatia e compreensão, além de ser consultora em projetos e programas focados em estratégias e serviços que ofereçam qualidade até a finitude.
Trajetória da Comunicação Social à Psicologia, com pós graduação em Gerontologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.
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