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A cruel situação das pessoas idosas na Ucrânia

Numa guerra, todos perdem. Perdem o sustento, perdem familiares, perdem direitos, perdem dignidade, perdem a própria vida. Mas quem impõe a guerra a um povo também perde – ou já perdeu – a própria humanidade.

Não sou especialista em conflitos armados. Por isso, estava decidida a não postar detalhes sobre o assunto na minha rede profissional.

Mas… eu estava errada, demasiadamente errada.

Uma guerra talvez seja o palco mais favorável – e cruel – para a discriminação etária contra as pessoas idosas. E como especialista em longevidade, me sinto no dever de chamar atenção para o que está acontecendo com as pessoas idosas na Ucrânia.

Pessoas idosas são deixadas para trás

De acordo com a HelpAge International, organização que articula uma rede de suporte para apoiar as pessoas idosas em todo o mundo, essa população é extremamente negligenciada em situações de catástrofe.

Embora saibamos da independência e do protagonismo sênior em diversos aspectos, guerras fogem completamente aos parâmetros da vida cotidiana e não se pode estabelecer qualquer tipo de comparação.

Como muitas pessoas idosas são incapazes de fugir do conflito em tempo hábil e, até mesmo, de chegar a bunkers ou regiões fronteiriças, elas acabam sendo deixadas para trás. Sem a família e a comunidade, permanecem isoladas e terrivelmente expostas quando a violência eclode.

Além disso, normalmente não existem planos de emergência que protejam e atendam as demandas específicas dessa população. Assim, ela passa a depender exclusivamente de ações humanitárias, como as da HelpAge International.

O problema é que nem sempre essas entidades conseguem acessar locais remotos ou ocupados pela força invasora. Infelizmente, nesses casos, vida e morte podem ser determinadas pela idade.

Nesse cenário, as pessoas idosas que conseguem sobreviver aos ataques, normalmente desenvolvem sérios quadros de depressão e outras doenças mentais, além de doenças provocadas pela falta de acesso a comida e medicamentos, bem como pelas precárias condições de higiene.

Desde 2014, as pessoas idosas constituem mais de um 1/3 da população marginalizada pelos conflitos na Ucrânia. A taxa de pobreza é mais alta entre essa população do que entre os mais jovens e ela é altamente vulnerável a toda sorte de desastres.

Ao longo dos anos, muitas pessoas idosas foram obrigadas a deixar suas casas para trás, fugindo da violência da linha de contato, nome dado à linha que separa áreas controladas pelo governo (GCA) das áreas não controladas pelo governo (NGCA), onde o acesso humanitário é restrito.

Elas precisam enfrentar minas terrestres e sérias restrições de acesso à nutrição, serviços de saúde, moradia, combustível e transporte público. Por consequência, muitas acabam perdendo o direito de receber suas aposentadorias porque são fisicamente incapazes de viajar para a GCA ou porque não podem pagar os custos da viagem.

Idosos estão sendo convocados à guerra

Cerca de 10 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivem na Ucrânia. Mais de 2 milhões vivem no leste do país e estão em risco extremo, cansadas e com medo.

De acordo com a HelpAge International, antes do agravamento do conflito com a Rússia, as autoridades ucranianas não forneciam instruções às pessoas idosas sobre o que fazer em caso de guerra.

Mas as coisas mudaram recentemente e as pessoas idosas começaram a se voluntariar, não apenas para os grupamentos de apoio, mas também, para o combate armado.

Valentyna Kostyantynovska, mulher de 79 anos (foto acima), ganhou destaque depois de ser filmada em um campo de treinamento na região de Donetsk, aprendendo a operar um fuzil. Desde o início do ano, ela se juntou à Defesa Territorial para se preparar, como médica, para uma possível guerra. Mas decidiu aprender a usar a metralhadora.

“Não posso fazer muito, posso ajudar os feridos… vou atirar e sei que vão me matar. E é assim que deveria ser, para que menos jovens morressem”, diz Valentyna.

Dmytro Bellykov, um trabalhador aposentado de 60 anos, se voluntariou pela primeira vez quando o conflito surgiu em 2014 e está pronto para repetir a investida em 2022.

“Quero ter certeza de que todos os meus dados estão em ordem, para que eles não se esqueçam de mim. […] Conheço armas, posso consertá-las e não sou um mau atirador.”

Além de ‘acolher’, de bom grado, o patriotismo de homens e mulheres com mais de 60 anos que se voluntariaram, o ministro da Defesa da Ucrânia, Alexei Reznikov, convocou os cidadãos maiores de 60 anos “que estejam mental e fisicamente prontos a resistir e vencer o inimigo”.

Segundo a agência de guarda da fronteira ucraniana, enquanto a Lei Marcial estiver em vigor, homens com idades com até 60 anos estão terminantemente proibidos de deixar o país.

Diante dessa calamidade, a pergunta que fica é: será que faz sentido que os idosos ucranianos lutem pelo direito de soberania, sob pena de dilaceração de suas vidas e destruição do seu país, além de um número absurdo de mortes?

Fontes: Reuters, HelpAge International, TheBordenProject

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FOTO DE CAPA: Mulher de 79 anos participando de treinamento voltado para civis na Ucrânia – Fonte: G1 – Foto: Vadim Ghirda/AP

 

Márcia Tavares, DSc.
Head de Longevidade Way Educação | CEO WeAge Educação | Eleita Melhor Mentora do Hacking.Rio 2021 | Professora FGV | Pesquisadora COPPE/UFRJ |
Não sou especialista em conflitos armados. Por isso, estava decidida a não postar detalhes sobre o assunto na minha rede profissional. Mas… eu estava errada, demasiadamente errada. Uma guerra talvez seja o palco mais favorável – e cruel – para a discriminação etária contra as pessoas idosas. E como especialista em longevidade, me sinto no dever de chamar atenção para o que está acontecendo com as pessoas idosas na Ucrânia. hashtagucrania hashtagrussia hashtagguerra hashtagidosos
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