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Etarismo: o que realmente importa entender sobre as críticas à idade de Margot Robbie em Barbie?

Não é sobre a Margot Robbie, protagonista do filme “Barbie”. 

Aos 33 anos, a australiana, classificada como uma das atrizes mais bem pagas do mundo pela revista “Forbes” e nomeada como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela “Times”, foi alvo de críticas nas redes sociais por estar “velha” para o papel da boneca que marcou gerações.

E ainda teve quem a chamasse de “feia”, entre as postagens que circulam por aqui. É claro que esses comentários geraram indignação e uma repercussão calorosa, principalmente entre as mulheres, na web.

Em conversa com o gshow, Mirian Goldenberg, antropóloga e pesquisadora sobre o tema velhice há mais de 30 anos, avalia o que está por trás dos ataques à atriz.

“Esses haters, ignorantes, perversos sabem que essas ofensas machucam todas as mulheres, com as suas humilhações, com a sua violência. O objetivo é esse. Não é a Margot Robbie, porque a crítica nem vai chegar lá. Mas vai afetar as mulheres, vai calar as mulheres. Esse hater não está falando da atriz que faz a Barbie, ele está atacando as mulheres”, frisa ela.

Segundo Mirian Goldenberg, o Brasil e os Estados Unidos são culturas onde impera uma ditadura da juventude: “Temos pânico de envelhecer. Obviamente existe a violência física, verbal, psicológica e simbólica com relação às mulheres que não estão correspondendo a esse imaginário da juventude. E a Barbie sempre representou isso.”

Ela afirma que os “velhofóbicos”, como prefere chamar, pegam pelo ponto fraco: “Não falam que a atriz é linda, que está maravilhosa. Falam que ela está velha e tem a vírgula, ‘para este papel’. Mas o que querem afirmar é que está velha.”

“Com a nova régua do tempo e o debate da longevidade, é muito demodê, tacanho, míope que essa geração ainda ache esses heróis velhos. Primeiro, a atriz é lindíssima, jovem, e mesmo que ela tenha um traço de madura, isso confere a ela um pouco mais de realidade, até porque quando ela se torna essa heroína fora do padrão, cabe uma personagem que tenha traços de uma mulher, não de uma menina”, opina Kika Gama Lobo, autora do livro “Kikando na Maturidade”.

Etarismo: como o avanço da idade afeta homens e mulheres

O etarismo também afeta os homens. E o próprio Ryan Gosling, também criticado por estar velho para o papel de Ken, nos seus 42 anos, tirou sarro dos comentários semanas antes da estreia do filme “Barbie”.

“Se as pessoas não querem brincar com meu Ken, há muitos outros Kens para brincar. É engraçado… esse tipo de choque do tipo #NotMyKen. Como se as pessoas já tivessem pensado em Ken antes disso. De repente todo mundo diz que se preocupa com o Ken”, ironizou em entrevista à “GQ”.

De acordo com a antropóloga, os homens não escapam desse problema, mas costumam reagir de forma diferente. “Os homens também sofrem, mas por outros motivos, por outras questões, eles sofrem calados. Já as mulheres sofrem demais”, aponta.

Um bom exemplo é a reação do público sobre as performances de atores como Tom Cruise, Brad Pitt, George Clooney, entre outros atores na faixa dos 60 anos: “É ao contrário das atrizes. Você vê elogios à beleza, ao charme e à sensualidade.”

Para a influenciadora digital e jornalista Patricia Parenza, que compartilha experiências sobre envelhecimento “sem pirar”, o lançamento do filme “Missão Impossível”, com Tom Cruise, hoje com 61 anos, é um bom exemplo.

“E o que mais se falou foi sobre as cenas de ação que ele mesmo quis fazer, que se jogou de um penhasco várias vezes, que pulou de paraquedas para a cena perfeita. Não se fala que está velho, que passou dos 60 anos e como pode ainda querer ser um mocinho e um herói com essa idade. A gente vai exaltar a força e a coragem dele, e não diminuí-lo por ser mais velho”, avalia.

E destaca sobre como é o ponto de vista que diferencia os dois casos com o avanço da idade: “Os homens ficam sábios, interessantes e charmosos ao envelhecer e muitas vezes mais ricos. As mulheres ficam desinteressantes, velhas, malcuidadas e são descartadas do mercado de trabalho e muitas vezes descartadas por vários homens que só conseguem se relacionar com mulheres mais novas.”

“O etarismo ainda prevalece para as mulheres. O homem ‘pode envelhecer’, porque ele representa, desde a juventude, o papel do poder. Isso significa que a figura do homem já nasce ‘velha’ com a imagem de autoridade, protetor da figura feminina que cria desde a época das princesas, onde a menina precisava passar pelos padrões de beleza e juventude para ter o príncipe encantado da sua vida, o que lhe traria a felicidade”, explica Monica Machado, psicóloga especializada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

“Com esse filme da Barbie, o público não fugiu muito deste perfil de beleza para a mulher, sendo regra a beleza e a juventude já que, segundo este padrão, a velhice enfeia a mulher. Não podendo envelhecer, faz com que ela logo seja substituída por uma mais jovem. Assim que a sociedade lida com os padrões Barbie. No entanto, qualquer mulher que não esteja na faixa etária dos 20 anos será vista como velha demais para representá-la”, acrescenta a especialista.

 

Medo da velhice: o que Brasil e Estados Unidos têm em comum

Em um estudo realizado por Mirian Goldenberg, a conclusão à que ela chegou foi curiosa, para não dizer alarmante. “No Brasil e nos Estados Unidos, que são culturas muito parecidas, o corpo é um verdadeiro capital, é uma riqueza, principalmente para as mulheres”, explica ela.

No entanto, ela ressalta sobre o conceito que desenvolveu a partir desse estudo, esse corpo capital não é um corpo qualquer: “É um corpo jovem, magro, bonito, em forma. Para as mulheres, em determinadas culturas, quando elas envelhecem, elas perdem esse capital da juventude. Não adianta serem poderosas, lindas, maravilhosas, como a atriz de Barbie é, porque elas perderam o que é considerado culturalmente o capital mais valioso, que é a juventude.”

“No Brasil e nos Estados Unidos, nós estamos envelhecendo. No mundo inteiro. Só que os valores demoram muito a mudar, pois estão introjetados dentro de nós. E essas duas culturas valorizam extremamente a juventude, que é associada à beleza, à riqueza, ao poder, ao sucesso, à sensualidade. Quando a mulher perde esse capital, não adianta ter outros”, afirma a pesquisadora.

“Quanto mais jovem e mais magra a gente for, mais padrão a gente vale no mercado. E isso é terrível! Nos coloca uma pressão absurda de termos que aparentar ser o impossível, porque vamos envelhecer. Temos que aparentar sempre a juventude, a beleza, a magreza, a disponibilidade, o vigor, a alegria e a gentileza. Porque as mulheres também têm que ser Barbie na gentileza, nos cuidados, na delicadeza”, acrescenta Patricia.

“Se essa atriz que é loira, de olhos claros e magra está passando por essas críticas, imagina o que sobra para nós, mulheres comuns, altas, baixas, gordas, magras, obesas, secas, com 50, 60, 70? Sobra só critica. Precisamos, definitivamente, dissociar a beleza da juventude. Enquanto isso não acontecer, a gente sempre vai ser escrava da juventude e não vai conseguir olhar com mais acolhimento e carinho uma ruga, um vinco, um cabelo branco.”

E frisa que esse é um recado para as mulheres: “Estou falando pra nós, não estou nem falando para os homens. As maiores críticas das mulheres são as próprias mulheres. A gente é cruel uma com as outras em relação ao corpo. O corpo da mulher está sempre disponível para ser julgado, seja pela própria mulher, pela amiga dela, pela mãe, a tia, o marido, o vizinho, o tio, todos opinam, mas ninguém opina sobre o corpo do homem.”

 

Quando um exemplo irreal vira objeto de desejo

Para a palestrante e escritora Cris Guerra, que hoje assina como Cris Pàz, há um ponto compreensível para quem considera a atriz “velha” para o papel de Barbie.

“Essas pessoas que estão criticando têm a atração e têm como meta, como ícone, a própria Barbie, que é um exemplo irreal. É uma idealização. Então, acho até que é um pouco coerente as pessoas acharem que ela está velha para fazer a Barbie, porque essas pessoas têm como padrão e inspiração um exemplo não humano”, analisa.

E, como exemplo, Mirian volta a citar os atores Brad Pitt, George Clooney e Tom Cruise: “Não são valorizados pelos mesmos capitais, porque são homens. Os capitais deles são o charme, o humor, a boa forma, vários outros, mas não a juventude. Mais velhos, eles ficam mais poderosos e charmosos, e as mulheres, não. Como valor, não concretamente.”

O olhar machista sobre a velhice

“Não é o olhar dos homens, é o olhar da sociedade. Podemos dizer que é um olhar machista”, avalia Mirian sobre as críticas pela atriz de Barbie não ser bem mais jovem. “Mas não importa. O que importava era xingar de velha, desqualificar. E chamar de velha, tanto aqui quanto nos Estados Unidos, é um xingamento.”

Para Kika Gama Lobo, a abordagem dessas críticas à idade não se limita aos homens. “Quando eles acham essa Barbie velha, passada, eles reforçam essa estrutura de pensamento da mulher como objeto de desejo, apenas. Um ponto que ainda é recorrente e que entristece o gênero feminino é o ódio de mulheres contra mulheres”, aponta.

“No dia em que a gente perceber mulheres, meninas, maduras, velhas, de que nós precisamos nos unir e acabar com essa inveja, esse ódio, essa maneira agressiva que mulheres tratam mulheres, então nós temos uma oportunidade, com o filme da Barbie, de fazer uma reflexão diante desse imenso sucesso do filme que atende diversos vieses na sociedade”, acrescenta ela.

Patricia Parenza levanta uma questão sobre o padrão de beleza da atriz Margot Robbie, desejado por mulheres de várias gerações.

Cris Pàz reforça que a Barbie é o ícone do padrão de beleza que pauta o mundo há muitos anos. “É a mulher magra, alta, loira, olhos azuis, sorriso branco e alinhado, com muito peito, curvilínea. É claro que existem as bonecas Barbie que foram feitas para trazer mais diversidade, mas a famosa Barbie, a clássica, que a Margot está fazendo, são as proporções impossíveis do ponto de vista humano”, destaca a escritora.

E ela sugere uma reflexão sobre o que a boneca representou para as mulheres ao longo dos anos: “A gente está falando de um filme que retrata uma mulher que é uma boneca que causou um estrago nas nossas noções de pertencimento, de ser ou não adequadas para o mundo. A Barbie, por si só, já é um fantasma para todas nós.”

 

Críticas sobre idade machucam mulheres em sofrimento por envelhecer

Mirian Goldenberg afirma que não é superficialidade falar sobre os xingamentos que a atriz da Barbie está recebendo e acrescenta que “há muito sofrimento por trás disso”.

“Não por parte da Margot Robbie, mas das mulheres em geral. As pessoas comentam que acham ridículo a pessoa se vestir de Barbie para assistir ao filme, de ‘querer parecer ser menininha’, que ‘não assumem a idade que têm’. É muita violência. Essas críticas machucam muitas mulheres que estão sofrendo por envelhecer”, alerta a antropóloga.

A patrulha contra a mulher madura foi o termo usado por Kika Gama Lobo para se referir à pressão pela liberdade dessas mulheres. “Tenho a sensação de que a gente virou uma espécie de escárnio da sociedade quando decidimos ser livres para ter o cabelo branco, para não se botocar inteira e ficar com uma cara deformada como algumas mulheres. O serviço que a mulher madura presta numa sociedade que ainda preza por valores plásticos, como o Brasil, é fundamental.”

E questiona: “Vamos querer ser eternas bonecas, servir a esse modelo vigente há tanto tempo, chato, monotemático de que temos que ser lindas, duras, lascivas o tempo inteiro? Fico ainda muito chocada com essa enxurrada de críticas de que a atriz é velha. Hello, o mundo mudou. Quem repete isso feito um mantra, está em outra! Está ainda preso na era mesozóica. Lamento.”

FONTE: Por Clarice Muniz, Especial para o gshow

 

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