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Entenda o que é a ‘maldição dos 35’ no mercado de trabalho da China

 

Quando Han perdeu o emprego de designer de interfaces em Pequim em fevereiro, ela achou que seus dez anos de experiência significavam uma recolocação rápida.

Mas, com a busca ao emprego se arrastando, ela está preocupada. A designer preencheu centenas de formulários de candidaturas de emprego e foi convidada para apenas quatro entrevistas.

Sem opções na profissão escolhida, ela buscou trabalhos de meio período para pagar as contas, trabalhando como motorista de entrega de alimentos – onde teve a “sorte de ganhar 20 yuans (13 reais)” por dia – e como guia de compras, que ela desistiu depois de desenvolver apendicite aguda, segundo ela por ficar de pé por muito tempo.

“Tentei todos os trabalhos possíveis, mas eles consumiam muita energia ou pagavam muito pouco”, lamentou. “Parece que é difícil manter o básico do dia a dia”.

A raiz do problema de Han, ela acredita, é que ela simplesmente se tornou velha demais aos olhos de muitos possíveis empregadores. Ela tem 34 anos.

Han, que a CNN identifica apenas pelo primeiro nome, está entre os muitos trabalhadores millenials na China que temem que tenham sucumbido à “maldição dos 35”.

O termo foi originalmente criado nas redes sociais para descrever demissões de trabalhadores mais velhos pelas principais empresas de tecnologia, mas desde então tornou-se tão generalizado que é usado até por conselheiros do Partido Comunista Chinês.

Qualquer pessoa que duvide da potência da maldição só precisa olhar para as inúmeras listas de empregos online e sites de recrutamento que afirmam explicitamente que os candidatos não devem ser mais velhos do que 35, um limiar que muitos especialistas nem sequer consideram meia-idade.

Ou basta olhar para as redes sociais. Em junho, a queixa de um viajante de que os albergues em Pequim geralmente recusam clientes com mais de 35 anos desencadeou um debate acalorado, assim como uma oferta de um templo taoista em junho, que dizia que os novos monges devem ter “menos de 35 anos”.

Na verdade, até o governo chinês descarta candidatos acima de 35 para muitas das suas vagas no serviço público, uma política criticada por legisladores na reunião anual do parlamento da China no ano passado e pelo órgão consultivo de política.

“A discriminação invisível por idade acima de 35 anos sempre existiu no local de trabalho”, disse o deputado Jiang Shengnan na reunião, conforme informou o jornal estatal “China Youth Daily”. “É um enorme desperdício de talento rejeitar candidatos por causa da idade”, continuou.

Até mesmo os principais acadêmicos e autoridades reconheceram o problema.

Numa reportagem de 2022 do jornal estatal “People’s Daily”, um professor da Escola do Partido Central, gerida pelo governo, que educa quadros do Partido Comunista Chinês, referiu-se à maldição como um “fenômeno comum no mercado de trabalho em massa” e culpou-a por causar uma ansiedade generalizada nas pessoas.

Em 2023, a agência estatal de notícias Xinhua propôs o que via como uma possível solução: políticas especiais que favorecem trabalhadores acima de 35 anos, juntamente de assistência financeira e regulamentos contra o etarismo.

Para muitos entre as centenas de milhões de millennials da China, as soluções podem não ser suficientemente rápidas.

Com a China ainda lutando para se recuperar dos danos econômicos da pandemia e sinais de que o seu crescimento está em ritmo lento, o desemprego tornou-se uma preocupação urgente para muitos.

A nível nacional, a taxa de desemprego oficial subiu para um quase recorde de 6,1% no ano passado. Embora o fim do confinamento tenha trazido algum alívio, a taxa permanece em 5,2% atualmente.

Liderar ou falir

A questão foi trazida à tona em parte pelo crescimento do setor de tecnologia na China e da sua conhecida “cultura 996”- ou seja, trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana.

É uma agenda intransigente que é ainda mais difícil de ser cumprida entre trabalhadores mais velhos com famílias, mas é uma expectativa comum no setor tecnológico altamente competitivo e relativamente jovem do país.

Os especialistas também apontam que os jovens trabalhadores contratados diretamente da faculdade tendem a ser mais baratos, embora outros sugiram que a preferência não é apenas manter os salários mais baixos.

Uma reportagem de 2021 da Xinhua argumentou que os trabalhadores que não tinham sido promovidos a níveis de gestão até os 35 anos podem ser vistos como menos bem-sucedidos, portanto, mais suscetíveis a demissões.

O professor da Escola Central do Partido entrevistado na reportagem do ano passado disse: “De modo geral, a maioria dos funcionários com dez anos de experiência vira líder ou gestor de equipes se as suas capacidades forem realmente boas. Em outras palavras, o limiar de 35 anos não é uma questão de idade em si, mas uma medida de capacidade de trabalho para os empregadores”.

Mas esses limites significam que muitas pessoas se encontram como Han, a designer de Pequim: superqualificados, educados, experientes e lutando para se manterem nos seus empregos.

Isso é especialmente verdade à medida que cada vez mais pessoas fazem mestrados e doutorados na esperança de ganhar vantagem no mercado de trabalho lotado – portanto, ironicamente atrasando a sua entrada nos empregos.

O criador de conteúdo Tao Chen num vídeo publicado nas redes sociais chinesas. / Douyin

 

 

 

 

 

Um criador de conteúdo chamado Tao Chen ganhou atenção do país em março ao publicar sobre a sua experiência.

Depois de se formar na prestigiada Universidade de Sichuan com um mestrado em filosofia, ele foi demitido de um trabalho de jornalismo, embarcando em seguida numa série de projetos de negócios fracassados.

Aos 38 anos, com poucas outras perspectivas, tornou-se um motorista de entrega de alimentos – eventualmente desistindo desse trabalho também porque a renda não era suficiente para pagar as contas.

“Apesar de ter tido uma boa experiência de trabalho e ter mestrado, sou muito pouco competitivo depois dos 35 anos”, disse Tao Chen no seu vídeo do Douyin. Mais de 98% dos seus pedidos de emprego não foram respondidos, enquanto o resto respondeu que ele era “impróprio” para a função.

“Eu quase tive um colapso mental”, confessou.

Preocupação com gestação

Para muitas mulheres chinesas, a “maldição” é ainda mais forte diante da discriminação de gênero que há muito atormenta o local de trabalho.

As trabalhadoras nesta faixa etária geralmente dizem que enfrentam pressões de empregadores relutantes em pagar licença de maternidade. Eles relatam que faltam promoções porque o seu empregador teme que elas fiquem muito tempo fora – ou nem sequer são empregadas.

“Vendo a idade, muitas empresas não se dispõem a recrutar”, contou Han, de Pequim. “Elas preferem os jovens. Afinal, eu poderia casar e ter filhos, de acordo com eles. Mesmo que lhes diga que não pretendo me casar, eles não acreditam”.

Quando, aos 35 anos, Liu, residente em Shenzhen, voltou ao seu trabalho numa empresa de bioengenharia após a licença de maternidade de seis meses, ela esperava entrar num novo projeto. Em vez disso, ela foi abruptamente demitida e sua posição foi dada a uma pessoa recém-formada.

Meses depois, ela ainda não encontrou outro emprego. Liu, que pediu anonimato por razões de privacidade, acredita que foi a licença de maternidade que causou a demissão.

“Eles são muito realistas. Quando não precisam de você, só substituem por mão de obra mais barata”, opinou.

Os homens também podem ser afetados. Liu lembra-se de testemunhar um colega que acabara de se tornar pai recebendo tarefas inapropriadas, como ser enviado em uma viagem de negócios imediatamente após o nascimento.

Ela disse que também viu millenials e funcionários de meia-idade serem escolhidos por constrangimento, sendo-lhes pedido que levantassem as mãos em reuniões se tivessem mais de 30 anos ou não sendo convidados para festas da empresa.

Liu suspeita que a maior motivação para os empregadores é simplesmente o resultado final. “Muitas empresas consideram só os custos. Eles acham que o meu salário é maior do que os novos graduados, então escolhem os mais novos”.

Truque exposto

Os especialistas dizem que a melhor maneira de se proteger contra a idade e a desigualdade de gênero é por meio de uma reforma jurídica.

Yiran Zhang, professor assistente da Cornell Law School, disse que, embora a lei do trabalho da China proíba a discriminação em razão da etnia, sexo e crença religiosa, ela não o faz com base na idade.

Mesmo em áreas onde é oferecida alguma proteção – como para mães que saem de licença de maternidade – a aplicação da lei é fraca, e a discriminação de gênero continua comum.

Os funcionários que processam com sucesso o seu empregador só recebem pequenas indenizações, desincentivando alguns de prosseguir com uma ação legal, acrescentou Zhang.

“Muita discriminação etária vem da interseccionalidade, ou seja, a discriminação de idade, sexo, gravidez e deveres de prestação de cuidados”, disse o professor assistente.

Zhang e outros especialistas notaram que já existiram tentativas de legislar contra a discriminação etária, com alguns políticos tratado o tema como prioridade para aumentar a taxa de natalidade, mas até agora não conseguiram passar a mudança no parlamento.

Alguns pequenos progressos ocorreram no início deste ano, quando várias províncias e regiões relaxaram as restrições etárias para os empregos de funcionários públicos, aumentando o limite de 35 para 40, informou a imprensa estatal.

Enquanto isso, Liu – a ex-gerente de projetos em Shenzhen – agora espera ganhar a vida como criadora de conteúdo para que não tenha que voltar a um local de trabalho tradicional cheio de etarismo e discriminação.

“Estive em grandes e pequenas empresas e enxergo seus truques. Quero fugir deles”.

FONTE: CNN BRASIL

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