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ARTIGO EM DESTAQUE: “Idade?! Quero Lá Saber Disso…”

ARTIGO DE Frederico Fezas Vital, NO EXPRESSO.

Idade?! Quero Lá Saber Disso…

A propósito do combate ao preconceito da idade, como forma de criar novas oportunidades para seniores, em isolamento ou não, mas obviamente com maior preocupação no caso de estarem isolados, dei por mim a refletir e pesquisar sobre o tema, e a questionar-me sobre vários temas correlacionados. Talvez porque, apesar de não ter ainda ainda chegado a essa idade, ao chegar aos meus 50 anos, ter dado por mim a antever esse momento, a aproximar-se a passos galopantes

Começo por partilhar alguns dados interessantes que recolhi:

  • Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 31 de dezembro de 2022, a população residente em Portugal foi estimada em 10.467.366 pessoas, mais 46.249 pessoas do que em 2021, aumentando pelo quarto ano consecutivo. Mas este saldo positivo não resultou de um saldo positivo entre nascidos e falecidos em Portugal (esse saldo foi negativo em -40.640 pessoas – ou seja, morreram muito mais pessoas do que nasceram), mas sim de um saldo migratório positivo de 86.889 pessoas. Na realidade, o número médio de filhos por mulher em idade fértil foi, neste ano, de 1,43 filhos (contra 1,35 em 2021) – claramente insuficientes para contrariar a tendência de envelhecimento da população portuguesa.
  • Em 2022, o rácio de pessoas com mais de 65 anos versus pessoas dos 0 aos 14 foi de 185,6 “idosos” por cada 100 “jovens”. Ou seja, quase o dobro de pessoas que encaixam nesta categoria dos chamados “idosos”, do que os jovens deste país.

Isto – entre outras estatísticas relevantes que não vou citar, pois são tantas que não teríamos espaço nesta rubrica – revela o que todos já sabemos e andamos a ouvir há muito. Portugal tem uma população envelhecida. E isto traz alguns desafios à economia. É certo. Mas também há vantagens que não estamos a aproveitar, e muitos estigmas e preconceitos que, de facto, continuamos, de um modo que, na maior parte das vezes, acredito que não seja totalmente consciente, a reforçar no correr dos dias.

A começar, desde logo, pelas palavras que usamos, e pela forma como as usamos e o peso que pomos nelas.

Porquê colocar as pessoas em categorias – idosos, seniores, velhos – e qualificá-los pela idade que têm, colocando-os num aquário de ideias pré-feitas sobre o que podem ou não fazer, ou do que têm ou não capacidade para realizar, e não apenas tratá-los como pessoas que têm a idade que tiverem, e que fazem o que fizerem, e forem capazes de fazer? E há termos que são mais duros e pesados que outros – a palavra “idoso” é, na minha opinião, particularmente carregada de peso negativo. Conheço muita gente com 65 anos e mais, que são mais ativos, mais lúcidos e muito mais consistentes do que jovens de 20, 30 ou 40 anos. Para além do ridículo que é, que com 59 ou 64 não se seja idoso e que, no dia em que completam 60 ou 65, passem a ser à face da lei e da sociedade, idosos. Já não são adultos. São idosos. E isto limita as oportunidades e reforça estereótipos prejudiciais, impactando negativamente a saúde mental destas pessoas.

Mas, no fim do dia, o preconceito e o peso, vêm sempre de quem usa as palavras, e de como as usa – há formas de dizer “velho”, “velhote” ou “idoso” carregadas de respeito, de ternura e de consideração.

Por outro lado, existe uma enorme dose de auto-estigma e de auto-preconceito. Pessoas que, por atingirem determinada idade, acham que a vida mudou radicalmente e que se têm de começar a comportar de forma “adequada” (seja lá o que isso for) à sua circunstância etária. E isso acontece em várias faixas de idade. O que me preocupa é que, quando falamos deste fenómeno a partir dos 60, ou dos 65, normalmente o comportamento considerado mais adequado passa, muitas vezes, por adotar estilos de vida menos ativos, mais isolados, o que provoca grandes desafios e problemas de saúde física, mental e emocional. E não estamos, obviamente, a falar das exceções que vemos, todos os dias, e que são faladas e dadas como exemplos, exatamente porque são exceções – pessoas com mais idade que, muito positivas, fazem tudo. Têm grandes corpos, são exemplos de atividade e de trabalho até altas idades, ou parecem ter muito menos anos do que têm. Infelizmente, estas exceções, não só nos fazem esquecer dos milhares e milhares de pessoas isoladas nas suas casas, embora rodeadas de gente, como também colocam uma pressão adicional nas pessoas que não conseguem sair do buraco da depressão e da ansiedade que a falência das capacidades, que acompanha naturalmente a idade, traz, tantas vezes, consigo.

Mas o que parecemos esquecer é que a idade também nos traz, regra geral, uma série de vantagens, e de valor acrescentado, face a outras fases de vida. Para além de existirem já muitos dados científicos que desfazem muitos mitos sobre a idade, que é um dos motivos pelos quais ainda subsiste esta visão preconceituosa do envelhecimento, profundamente injusta, desatualizada e ignorante. Senão vejamos:

  • Uma pesquisa realizada pela Harvard T.H. Chan School of Public Health, em 2023, mostrou que a ingestão diária de multivitaminas pode melhorar a memória em adultos mais velhos, sugerindo que intervenções simples podem ter um impacto significativo na cognição;
  • Outro estudo, publicado na revista Alzheimer’s Research & Therapy indicou que o declínio cognitivo em pessoas de mais idade, que sejam saudáveis, é muitas vezes associado a patologias subjacentes, como lesões cerebrovasculares, ou a doença de Alzheimer. Isto significa que, na ausência dessas condições, muitos idosos podem manter um bom desempenho cognitivo;
  • Estudos longitudinais têm demonstrado, de forma consistente, que pessoas entre os 60 e os 75 anos de idade, e até pessoas com mais de 80 anos de idade, podem continuar a crescer intelectualmente, emocionalmente e até fisicamente. Um estudo realizado em Seattle, nos EUA, intitulado Seattle Longitudinal Study of Adult Cognitive Development, revelou que o maior declínio de faculdades cognitivas acontece a partir dos 80 anos de idade.
  • E, talvez surpreendentemente para muitos, muitos estudos dizem que o bem-estar emocional, e a satisfação com a vida aumentam, de uma forma geral, com a idade e que a prevalência de doenças do foro psiquiátrico, pasme-se, é significativamente mais baixa em adultos com mais de 60 anos, do que em jovens adultos. Se o Fernando Peça fosse vivo, estaria agora a dizer: E esta, hein?!

Quando os meus alunos me dizem que o envelhecimento, e o envelhecimento da população. são problemas, digo-lhes sempre o mesmo: o envelhecimento, per si, não é nenhum problema. É um processo. Que traz alguns desafios, tal como a puberdade, ou a menopausa. O problema é que as pessoas vejam o envelhecimento como um problema. Porque isso condiciona a forma como vêm a velhice dos outros e, um dia, a forma como viverão a sua própria velhice. Para que se possam minorar estes desafios, eu diria que a chave é a prevenção – a nível da saúde, e dos hábitos saudáveis, mas também a nível interno, de consciencialização e aceitação dos processos da natureza, tal como eles são. Porque por muito que exista preconceito e estigma, se a nossa cabeça e o nosso coração estiverem no sítio certo, nada nos poderá deitar abaixo.

Este é um tema que não só é muito relevante para qualquer um de nós, como assume também a maior importância para a sustentabilidade da sociedade portuguesa, e de muitas sociedades no mundo. Enquanto não soubermos avaliar e valorizar tudo o que a idade nos pode dar, iremos continuar a ser sociedades de desperdício (de pessoas), e sem respeito pela vida e pela sua sabedoria. E teremos sempre um problema, em vez de soluções. Se isto não é um problema de sustentabilidade, então não sei o que será.

 

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