Imagine uma sociedade em que envelhecer é sinónimo de oportunidades e em que a idade avançada é vivida com autonomia, independência, dignidade e participação ativa na comunidade. Para todos.
Embora possa parecer idealista, este cenário poderá estar mais próximo da realidade do que pensamos, mas exige mudanças profundas na forma como entendemos o envelhecimento.
Este é o cenário que se pretende alcançar com a declaração, em 2020, da Década do Envelhecimento Saudável 2021-2030 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e cuja implementação é da responsabilidade de todos nós enquanto sociedade e individualmente, sob a liderança da Organização Mundial de Saúde.
Se é verdade que normalmente se associa a ideia de um envelhecimento saudável a questões de estilo de vida, como adotar bons hábitos alimentares, praticar exercício físico ou preservar um sono de qualidade, é importante esclarecer que quando falamos de envelhecimento saudável, trata-se de algo muito mais abrangente.
Por esse motivo, faz sentido explorar esta abordagem menos óbvia do envelhecimento saudável, como algo que vai além das escolhas individuais, realçando-se o papel do ambiente, das comunidades e das políticas públicas, na concretização daquela realidade. É o que me proponho nesta reflexão.
O envelhecimento saudável é definido pela Organização Mundial de Saúde como o processo de desenvolver e manter a capacidade funcional das pessoas, o que permite o seu bem-estar nas idades mais avançadas.
O que é a capacidade funcional? A capacidade funcional de uma pessoa abrange o conjunto das capacidades de gestão da sua vida e inclui a capacidade de cuidar de si mesma, a capacidade de aprender coisas novas e de tomar decisões, a capacidade de manter as suas atividades diárias ou a capacidade de desenvolver e manter relacionamentos, entre outras.
Para a capacidade funcional de cada pessoa contribui um tripé de elementos fundamentais: por um lado, a sua capacidade intrínseca – ou seja, o conjunto das suas capacidades locomotoras, sensoriais, cognitivas e psicológicas –; por outro lado, o ambiente que a rodeia; resultando ainda a capacidade funcional da interação que cada pessoa tem com o seu ambiente.
Ora, os ambientes podem ser potenciadores ou limitadores da ação individual. Por exemplo, uma pessoa mais velha que tenha mobilidade reduzida pode ter uma vida plena e ativa se o ambiente lhe oferecer condições que promovam a sua independência, como transporte público acessível, elevadores nos edifícios mais altos ou equipamentos e tecnologias que compensem as limitações da sua mobilidade.
Podemos identificar, pelo menos, cinco dimensões de influência do ambiente sobre a forma como as pessoas envelhecem.
Desde logo, ao nível das condições do ambiente natural, como o clima, que influencia muitas decisões de vida diária quanto a sair ou não da habitação; a geografia do terreno, dado que terrenos mais acidentados são, muitas vezes, desmotivadores ou limitadores de passeios ao ar livre; ou a existência de animais selvagens ou de insetos perigosos, que são outros exemplos de condições naturais que condicionam hábitos e estilos de vida, as quais modelaram ao longo da história a cultura de comunidades e de povos.
Também as condições do ambiente urbanizado e das infraestruturas disponibilizadas constituem outra das dimensões. Esta dimensão inclui, desde logo, as condições das habitações – se são adequadas e seguras – mas também o desenho dos espaços exteriores, como calçadas acessíveis e sem obstáculos, a criação de espaços de lazer acessíveis para todos os níveis de mobilidade ou a oferta de transportes públicos adaptados, entre outros. Estes são elementos que influenciam as decisões da rotina da vida diária, contribuindo ou limitando a independências das pessoas mais velhas, com impacto na sua saúde mental e autoestima.
Uma terceira dimensão de influência do ambiente, é ao nível do tipo de apoio social e emocional que a pessoa possa ter da família, de amigos e das comunidades locais, incluindo o de instituições de apoio formal, que aqui desempenham um papel central.
Ambientes que oferecem às pessoas mais velhas oportunidades de se envolverem em atividades como voluntariado, a possibilidade de novas aprendizagens ou momentos de convívio, além de ajudarem a combater o isolamento, proporcionam um sentido de propósito, essencial para o bem-estar emocional. Para as pessoas que já enfrentam limitações físicas ou cognitivas, o apoio institucional torna-se ainda mais importante. Uma pessoa mais velha que sinta que pode contar com a família, com amigos e com atividades de apoio ou lazer, sente-se mais confiante e tem um risco menor de desenvolver problemas de saúde mental, como a depressão.
Relacionada com esta dimensão, existe outra que é essencial reconhecer e que está relacionada com as atitudes das pessoas com quem se convive. As atitudes dos que nos rodeiam podem ser empáticas, agressivas, encorajadoras, humilhantes, entre inúmeras outras variáveis. A importância das atitudes resulta do facto de influenciarem os pensamentos e os comportamentos das pessoas, tanto de forma positiva como de forma negativa, como é o caso das atitudes baseadas em estereótipos e preconceitos idadistas.
Finalmente, existe uma outra dimensão, entrelaçada em todas as anteriores, que é relativa à forma de organização da sociedade, aos sistemas de valores instituídos, aos sistemas políticos, económicos e sociais e ainda às políticas, normas e serviços que se encontram em vigor ou disponíveis na comunidade. Nesta dimensão, os órgãos de governação local e nacional desempenham um papel fundamental para que o envelhecimento saudável se torne uma realidade para todas as pessoas. Políticas públicas eficazes podem garantir que os recursos sejam destinados a serviços fundamentais, como cuidados de saúde acessíveis, pensões dignas e programas de apoio às pessoas mais velhas. Estas condições são essenciais para que possam desfrutar de uma vida ativa e com menos preocupações financeiras, aumentando o seu bem-estar geral.
A concretização de um envelhecimento saudável requer, portanto, uma abordagem coletiva.
Uma abordagem que envolve governos, comunidades, empresas, instituições em geral e de saúde e sociais em particular. Envolve também a atuação consciente de cada um de nós, tanto ao nível da nossa saúde individual, como enquanto elemento do ambiente dos que nos rodeiam.
Cada ação que tomamos hoje, seja adaptando uma cidade, criando um programa de apoio ou simplesmente aprofundando a relação com as pessoas mais velhas das nossas vidas, ajuda a moldar esse futuro. Lembremo-nos que o envelhecimento saudável beneficia não apenas os mais velhos, mas todos nós, porque, em última análise, todos estamos a envelhecer. E esse é um legado que vale a pena deixar para as próximas gerações.
Administradora Hospitalar | Mestre em Gerontologia | Doutoranda em Ciências Sociais e Envelhecimento