Foi aprovada, no passado dia 17 janeiro de 2025, a Proposta de Lei que contempla o “Estatuto da Pessoa Idosa”.
Num documento que visa cumprir o plasmado no Programa do Governo, encontramos, grosso modo, uma sistematização de direitos já consagrados, especificamente no que aos mais velhos se refere, não só na nossa Constituição (artigo 72.º), como dispersos por alguma legislação, como seja a relativa às respostas de apoio social, à proteção em sede penal e à salvaguarda de direitos fundamentais em sede de relações contratuais do foro civil, como sejam o direito de arrendamento.
Não desmerecendo o mérito da iniciativa, sobretudo pela atenção que dedica, e nos faz a todos dedicar, ao tema do envelhecimento e da forma como, em Portugal, se envelhece e se permite envelhecer, a leitura dos 24 artigos do Estatuto do Idoso não nos oferece, a final, a segurança de ter sido criado um quadro normativo sustentado num estudo sistemático, atualizado e necessariamente interdisciplinar.
Em primeiro lugar, não se promoveu a consulta pública (que permitiria, desde logo, a participação dos próprios idosos) ou a audição de entidades, públicas e privadas, nomeadamente Associações que direta e diariamente trabalham e contactam com as diversas questões ligadas ao envelhecimento. Estes contributos seriam, mais do que enriquecedores, fundamentais para cumprir os desideratos expressos na Exposição de Motivos.
Em segundo lugar, não parece ter existido a necessária ponderação entre a relevância e o destaque que se pretende dar ao tema do envelhecimento e aos cidadãos mais velhos (que inegavelmente, e não apenas por razões demográficas, o têm), e o facto de
a mera “repetição” de direitos já consagrados – e aplicáveis a todos os cidadãos, independentemente da idade – poder antes potenciar a discriminação em razão da idade avançada.
Na verdade, o Idadismo – a discriminação em razão da idade – é abordado de modo disperso ao longo do diploma, apesar de ser, reconhecidamente, uma das grandes causas de vulnerabilidade e de exclusão das pessoas mais velhas.
Na nossa ótica, Portugal não é um país cuja dimensão geográfica ou forma de organização política justifiquem a necessidade de legislação meramente sistematizadora. E, ainda que o fosse, tal não resultaria desta versão do “Estatuto”, na medida em que, mais do que procurar, por via legislativa, harmonizar conceitos e impedir possíveis assimetrias resultantes de diplomas regulamentares ou de competências descentralizadas e autónomas, o que lemos neste Estatuto é apenas o reforço de que (como já suspeitávamos) os direitos aqui elencados não cessam quando se envelhece.
Mais do que sistematizar e reforçar, impõe-se, parece-nos, um trabalho profundo de escuta e de estudo, que aproveite os enormes contributos dados, entre outros, pelas entidades do setor social e solidário, pelos agentes da economia social, pela Academia e pelas Associações com conhecimento e dinâmica no setor, e apontando no sentido que já vem sendo indiciado pela União Europeia.
É urgente repensar a velhice, permitindo o exercício efetivo dos direitos já consagrados, para todas as idades, e conciliando, a nosso ver, os vetores da dignidade, cidadania e vulnerabilidade. Não podemos esquecer que, ao contrário da menoridade ou dos casos em que existe alguma medida de acompanhamento, a idade avançada não traz acoplada nenhuma incapacidade de exercício de direitos.
Uma vez que a idade avançada nem sempre traz associada a vulnerabilidade que, de modo quase automático, lhe imprimimos, qualquer Estatuto só fará sentido se, efetivamente, contribuir para a criação de espaços públicos de ação dos mais velhos, proibir todas as formas de discriminação associadas à idade e eliminar assimetrias locais que inviabilizam uma velhice cidadã. E, nesse sentido, cuidar de harmonizar a forma como a velhice é (mal) tratada nos vários diplomas que à mesma, avulsamente, a regulam, protegendo quando e apenas se tal for necessário, e permitindo que, na idade mais avançada, se assuma, com naturalidade, a mesma diversidade que se admite e – admira – nas outras etapas da vida.
Advogada e Sócia do Departamento de Direito Público da JPAB