As mulheres são criticadas quando aparentam ter a idade que realmente têm, porque ter rugas é visto como desmazelo, e são criticadas quando fazem intervenções estéticas, porque não aceitam a sua idade e estão “com um ar artificial”. Esta dualidade tomou forma nos comentários feitos à atriz Millie Bobby Brown, sobre a sua aparência
Não é novidade nenhuma, infelizmente, que, antes de outro qualquer comentário, as mulheres são alvo de anotações sobre a sua aparência física. No entanto, os comentários desnecessários não se limitam ao “estás mais gorda” ou “estás tão magrinha”, que por si só já seriam desnecessários e potencialmente problemáticos. Hoje em dia, as mulheres são criticadas quando aparentam ter a idade que realmente têm, porque ter rugas é visto como desmazelo, e são criticadas quando fazem intervenções estéticas, porque “não aceitam a sua idade” e estão “com um ar artificial”. Não há como ganhar.
Celebridades como Nicole Kidman, Natalie Portman, Britney Spears e muitas mais, demasiadas, já foram alvo deste tipo de críticas nocivas. Nestes últimos dias, esta dualidade tomou forma nos comentários feitos à atriz Millie Bobby Brown, sobre a sua aparência nos eventos de promoção do mais recente filme em que participa, “The Electric State”. A atriz de 21 anos foi acusada, e vinco a escolha desta palavra, de “envelhecer mal”. Relembro que a atriz é conhecida publicamente desde os 12 anos. Se uma mulher não reconhecida ao nível de uma celebridade já é alvo de comentários sobre o seu corpo, tanto de pessoas próximas como de desconhecidos, imaginem o terror que é ver toda a internet a comentar a nossa aparência.
“I refuse to make myself smaller to fit the unrealistic expectations of people who can’t handle seeing a girl become a woman” – Millie Bobby Brown
A atriz, num vídeo honesto no instagram, falou sobre o assunto, realçando como todos os artigos a criticar a sua aparência não se tratam de jornalismo, mas de bullying. Millie afirma como parece que as pessoas querem que ela congele no tempo, que a continuam a ver como uma criança, quando ela é adulta, maior de idade, tendo toda a liberdade para se apresentar ao público como bem lhe apetecer. Relembremos, ainda, algumas das headlines dos artigos escritos — por mulheres, ainda por cima — sobre a aparência da atriz no evento:
- ‘Why are Gen Zers like Millie Bobby Brown ageing so badly?’ by Lydia Hawken
- ‘What has Millie Bobby Brown done to her face?’ by John Ely.
- ‘Millie Bobby Brown mistaken for someone’s mom as she guides younger sister Ava through LA’ by Cassie Carpenter.
- ‘Little Britain’s Matt Lucas takes savage swipe at Millie Bobby Brown’s new “mommy makeover” look’—written by Bethan Edward
A meu ver, há esta ideia errada de que as celebridades, ou pessoas conhecidas na esfera pública, são de domínio público, ou seja, que as pessoas no geral têm o direito de tecer comentários públicos sobre a aparência e opções de vida das celebridades, quando não as conhecem verdadeiramente. Desta forma, há uma ilusão pública de que se conhece a vida daquela celebridade, quando tal não é verdade. O público em geral, muitas vezes incluindo jornalistas e comentadores, acham-se no direito de comentar destrutivamente as vidas de celebridades das quais não conhecem nenhum contexto real, sem ter em conta as possíveis repercussões daqueles comentários na saúde mental e até física das pessoas visadas. Parece que se esquecem que para lá da presença pública, e antes de qualquer coisa, aquela celebridade é uma pessoa também. Se por um lado há celebridades que não ligam muito a esses comentários nocivos, há muitas que sofrem muito, especialmente se estiverem numa fase sensível da sua vida por algum motivo.
Este processo de tomar consciência da pressão imposta às mulheres quanto à sua aparência física também é uma questão de autocrítica: quantas de nós, mulheres, não achamos piada a dito entretenimento que critica constantemente a aparência das mulheres? Quantas conversas depreciativas não potenciamos sobre o aparente envelhecimento de alguém? Será que temos consciência da pressão que esse tipo de discurso impõe sobre a perceção de beleza que temos sobre nós mesmas?
Além disso, as mulheres são muito mais criticadas pela sua aparência física do que os homens. Aliás, quando se tece comentários e se categoriza o aspeto físico das pessoas, há uma desigualdade de tratamento desmesurável dependendo do género, visto que, até as barrigas nos homens podem ser vistas como atraentes — com direto à expressão “dad bod” —, os pêlos no peito, os cabelos cinzentos — com a expressão “sexy gray”. Quanto aos elogios a mulheres mais velhas, recaem sempre no elogio da correlação entre aparência jovem e beleza, com expressões como “está muito bem conservada” ou “parece mais nova”. Até quando vamos ter de correr atrás de uma aparência que não corresponde ao envelhecimento natural da idade? Claro que é importante cuidarmos de nós, e isso é válido para toda a gente de todas as idades, mas como é que chegamos a este ponto de nos acharmos no direito de criticar a aparência de uma jovem de 21 anos desta forma?
Se num primeiro nível social há uma falta de empatia extrema quando comentamos a aparência de pessoas que conhecemos, quando falamos de comentar a aparência de pessoas conhecidas na esfera pública, o nível de empatia desce para números negativos. Como afirma Millie Bobby Brown “Tornamo-nos numa sociedade onde é mais fácil criticar do que elogiar.” Será que não conseguimos perceber, como sociedade, que por detrás daquele perfil com imensos seguidores, por detrás daquela carreira como atriz, está uma pessoa que merece empatia, respeito? Por que somos tão rápidos a julgar, a achar que somos conhecedores/as do contexto de alguém?
Adorava que se normalizasse a atitude “não me cabe a mim tecer comentários sobre a vida de alguém que conheço, sem que tal me seja pedido pela pessoa em questão, quanto mais sobre a vida de alguém que não conheço”.
FOTO DE CAPA: https://www.vogue.com/
