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AS PESSOAS MAIS VELHAS PODEMS ER SUJEITOS POLÍTICOS E NÃO (MEROS) OBJETOS DE INTERVENÇÃO

A retração de direitos das pessoas adultas mais velhas parece quase uma profecia inscrita no próprio avanço da idade – não fossem as sociedades industrializadas, tendencialmente hiperenvelhecidas, lidar tão mal com o envelhecimento e a velhice. Neste contexto, assiste-se a um empobrecimento da linguagem associada a estas pessoas: são frequentemente representadas como um fardo, dependentes, desprovidas de pensamento crítico, sem voz nem propósito.

Essa narrativa sustenta práticas paternalistas, autoritárias e normativas, que comprometem de forma dramática a autonomia, a independência e a autodeterminação dos cidadãos mais velhos. Paralelamente, intensifica-se um discurso que individualiza responsabilidades, ignorando os contextos histórico-sociais que moldam trajetórias de vida, redes de apoio e condições de envelhecimento. Alimentado por generalizações, moralismos e estigmas, este discurso fragiliza a cidadania, desintegra identidades, dissolve projetos coletivos e legitima práticas que silenciam os direitos, revestindo-as de uma linguagem tecnocrática e despolitizada.

Este cenário traduz uma forma institucionalizada de idadismo – um preconceito estrutural baseado na idade – que legitima desigualdades, naturaliza exclusões e compromete os direitos fundamentais das pessoas mais velhas. Importa ainda reconhecer que a velhice não é uma experiência uniforme: intersecções com desigualdades de classe, género, etnia ou território acentuam a vulnerabilidade e aprofundam a exclusão.

Cria-se assim uma espessa camada de sedimentos que bloqueia qualquer avanço. Nesse cenário, ouvem-se justificações como: “Fazemos o que podemos com os recursos que temos. Não temos culpa de eles [os velhos] serem tão dependentes ou desligados da realidade!” – um sintoma claro do alívio de responsabilidade profissional. Ou ainda: “É assim que eles são quando ficam velhos” – tratando as pessoas adultas mais velhas como uma categoria homogénea, abstrata, desprovida de individualidade.

Esta camada de inércia pode – e deve – ser escavada e desmontada. Rever criticamente a forma como se concebe e se pratica a intervenção social, reconhecendo as pessoas adultas mais velhas como sujeitos políticos e não como (meros) objetos de cuidado, é um passo essencial. Isto implica admitir que as transformações sociais também nascem de baixo para cima, pela via da participação política das populações envelhecidas. Ignorar o direito – e o dever – das pessoas adultas mais velhas de participar nas decisões que moldam as suas vidas, de reivindicar os seus direitos e de assumir um papel ativo na (co)gestão institucional, é perpetuar uma forma de desserviço. Em última instância, é uma má-prática profissional.

 

Ricardo CrispimPhD student in Social Work

 

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