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LOBBY PELA VELHICE COMO DOENÇA E PROTESTOS DEIXAM OMS EM XEQUE

Por José Pedro S. Martins

Nas últimas semanas cresceu de forma exponencial, no Brasil e em vários outros países, o movimento e o número de iniciativas contestando a classificação da velhice como doença. Resultado de um lobby no âmbito científico que envolveu vários atores, essa tipificação está prevista para ocorrer com a nova edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entra em vigor em janeiro de 2022. A dúvida está em se, em resposta à crescente resistência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vai rever essa classificação, que segundo diversas organizações, gerontólogos e outros especialistas provocará muita confusão em diagnósticos de doenças em idosos, além de alimentar os preconceitos contra esse segmento populacional em crescimento em países como o Brasil.

A manifestação mais contundente até o momento, contrária à classificação da velhice como doença, foi o pedido de demissão do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebrejesus, feito por organizações como a Confederação Espanhola de Associações de Idosos (CEOMA) e a Fundação Edad&Vida, também da Espanha. Os contrários à classificação consideram ser um enorme retrocesso para a luta por um envelhecimento ativo e saudável e uma contradição em relação a iniciativas como a Década do Envelhecimento Saudável, lançada pelas Nações Unidas para o período 2021-2030, e a publicação pela própria OMS, no início de 2021, de relatório denunciando o idadismo contra idosos.

A trajetória e o lobby por um conceito controverso

A defesa, por parte de alguns especialistas, de classificação da velhice como doença não é nova. Uma das vozes pioneiras nesse sentido foi Robert Perlman, que publicou em 1954 um artigo no Journal of American Geriatrics Society , denominado “The Aging Syndrome“, caracterizando o envelhecimento como “complexo de doenças”.

O tema continuou dividindo opiniões mas um grupo favorável à tese da velhice como doença sentiu a oportunidade de dar maiores passos durante o processo de formulação da décima primeira versão da CID. O primeiro lance nessa verdadeira partida de xadrez foi dado com a publicação a 18 de junho de 2015, na Frontiers in Genetics, do artigo “É hora de classificar o envelhecimento biológico como uma doença” (“It is time to classify biological aging as a disease”), por Sven Bylterrijs (da Faculdade de Ciências da Universidade de Ghent, na Bélgica), Raphaella Hull (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Departamento de Bioquímica da Universidade de Oxford, Reino Unido), Victor Björk (do Instituto de Biologia da Universidade de Uppsala, Suécia) e Avi Roy (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Instituto de Medicina Translacional, Escola de Ciências da Universidade de Buckingham, Reino Unido).

No artigo, os autores afirmam, na conclusão: “Acreditamos que o envelhecimento deve ser visto como uma doença, embora como uma doença que é um processo universal e multissistórico. Nosso sistema de saúde atual não reconhece o processo de envelhecimento como a causa básica das doenças crônicas que afetam os idosos. Como tal, o sistema é configurado para ser reacionário e, portanto, cerca de 32% dos gastos totais do Medicare nos Estados Unidos vão para os últimos 2 anos de vida de pacientes com doenças crônicas, sem qualquer melhora significativa em sua qualidade de vida (Cooper, 1996; Neuberg, 2009). Nosso sistema de saúde atual é insustentável tanto de uma perspectiva financeira e de saúde quanto de bem-estar. Mesmo a atenuação mínima do processo de envelhecimento, acelerando a pesquisa sobre o envelhecimento e o desenvolvimento de medicamentos geroprotetores e medicamentos regenerativos, pode melhorar muito a saúde e o bem-estar dos idosos e resgatar nosso sistema de saúde em falência”.

Logo em seguida, veio a publicação ainda em 2015 do artigo “Classificar o envelhecimento como uma doença no contexto da CID-11” (“Classifying aging as disease in the context of ICD-11”), por parte de Alex Zhavoronkov, diretor científico da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia (The Biogerontology Research Foundation), de Oxford, Reino Unido, e Insilico Medicine Inc, Baltimore, MD, Estados Unidos, e Bhupinder Bullar, da Novartis Pharma AG, Department of Developmental and Molecular Pathways, Novartis Institute for Biomedical Research, Basel, Suíça.

A Novartis é uma das grandes indústrias farmacêuticas globais. O grupo de pesquisa de Bullar “trabalha para trazer novos compostos de baixo peso molecular, biológicos, alvos e biomarcadores para o pipeline de descoberta de medicamentos”, segundo sua biografia no Select BioSciences.  Além de diretor científico da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia, Alex Zhavoronkov é o CEO da Insilico Medicine, empresa de biotecnologia fundada em 2014 e sediada em Hong Kong, que utiliza inteligência artificial e outros recursos tecnológicos em programas de pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica. “Nossa missão é acelerar a descoberta de medicamentos e o desenvolvimento de medicamentos inventando e implantando continuamente novas tecnologias de inteligência artificial. Fornecemos soluções de IA para as principais empresas farmacêuticas e de biotecnologia para permitir esforços simplificados de P&D e transformar a forma como as terapêuticas e materiais são descobertos”, afirma a empresa em seu site na Internet.

No artigo de 2015, Zhavoronkov e Bullar defendiam que “o envelhecimento é um processo multifatorial contínuo complexo que leva à perda de função e cristalização nas muitas doenças relacionadas à idade”. Os autores continuam afirmando: “Acreditamos que classificar o envelhecimento como uma doença com um conjunto de códigos “non-garbage” (por definição, códigos garbage, ou de causa básica pouco útil, são códigos da CID relativos a causas básicas de óbitos com diagnósticos indefinidos que não permitem identificar e planejar ações de saúde pública) resultará em novas abordagens e modelos de negócios para abordar o envelhecimento como uma condição tratável, o que levará a benefícios econômicos e de saúde para todas as partes interessadas. A classificação acionável do envelhecimento como doença pode levar a uma alocação mais eficiente de recursos, permitindo que os órgãos de financiamento e outras partes interessadas usem anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) e equivalentes de anos saudáveis (HYE) como métricas ao avaliar tanto a pesquisa quanto os programas clínicos”.

Os autores propunham a formação de uma Força-Tarefa para discutir o assunto com a OMS, “a fim de desenvolver um quadro multidisciplinar para classificar o envelhecimento como uma doença com múltiplos códigos de doença facilitando intervenções terapêuticas e estratégias preventivas”. Zhavoronkov e Bullar lembravam que uma Força-Tarefa para classificar a dor crônica como uma doença, no contexto da CID-11, havia sido formada pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) e defendiam então que “uma força-tarefa semelhante deve ser criada para interagir com a OMS na classificação do envelhecimento”.

Autor de muitos artigos científicos, Alex Zhavoronkov é articulista na Forbes, uma das principais publicações sobre negócios no mundo. É editor-associado da Frontiers in Genetics e co-fundador do “Annual Aging Research for Drug Discovery Forum”, realizado na Basiléia, Suíça, desde 2014. A Fundação de Pesquisas em Biogerontologia, da qual é diretor-científico, foi uma das autoras da proposta de classificação da velhice como doença, encaminhada à OMS, em parceria com o Conselho para Saúde Pública e Problemas e Demografia, sediado na Rússia, e a Aliança Internacional pela Longevidade (International Longevity Alliance), organização com centros em vários países e que tem em seu board, entre outros membros, Daria Khaltourina, a autora principal da proposta oficial submetida à OMS.

Socióloga, demógrafa e ativista em longevidade, entre outras funções ela é co-presidente da Coalizão Anti-Tabaco Russa e da Coalizão Russa para o Controle do Álcool e chefe do Grupo de Monitoramento de Riscos Globais e Regionais do Academia Russa de Ciências. Em seu site na Internet, a International Longevity Alliance inclui em sua história : “Em 2018, o ILA tem mais um impacto na política global de saúde. Em grande parte graças aos esforços dos especialistas e defensores da ILA, o envelhecimento é incluído como um modificador no sistema de Classificação Internacional de Doenças da OMS CID-11, o que pode encorajar o investimento e o foco para abordar os problemas de saúde relacionados ao envelhecimento”.

De fato a discussão avançou, com manifestações claras de forma contrária, como da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que em 2017 divulgou nota oficial afirmando que “envelhecimento não é doença”. A SBGG se manifestou na ocasião, diante de declarações dadas à imprensa pelo pesquisador britânico Aubrey de Grey. Ele é conhecido pela teoria do envelhecimento provocado por radicais livres mitocondriais. Aubrey de Grey é membro do Conselho Consultivo da International Longevity Alliance, co-autora da proposta oficial de classificação da doença como velhice na CID-11.

Leia o Artigo completo, no site parceiro LONGEVINEWS

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